Lá em Casa, restaurante de Belém, fecha definitivamente
Aquele que foi o melhor endereço gastronômico do Pará e que visitei pela primeira vez em 1999 encerra uma história de 49 anos, mas prossegue no delivery
Mais uma baixa daquelas que tiram lágrimas dos olhos. E nem aconteceu aqui em São Paulo, mas numa das capitais mais encantadoras do Brasil: Belém. Foi-se o Lá Em Casa, que surgiu em 1972 e revelou um chef-empresário especial: Paulo Martins. Se a culinária da Amazônia, representada pelo Pará e, em particular, Belém, teve um grande embaixador, ele se chamava Paulo Martins (1946-2010).
Conheci Martins no finzinho de 1999. De férias, parti para Belém em minha primeira viagem ao Pará. Numa época de internet ainda precária, as informações circulavam com muita escassez. Resolvi pedir dicas para um jovem cozinheiro, que naquele período estava mapeando a culinária daquela região. Seu nome? Alex Atala. Ele me disse: procure Paulo Martins.
Logo que cheguei, agendei um jantar no Lá em Casa. Dei um nome qualquer ao fazer a reserva. Já era um lugar consagrado, surgido mesmo na mesma rua, a José Malcher, no porão de uma casa, uma espécie de speakeasy, fundado por Anna Maria Martins, mãe de Paulo. Coube ao sucessor fazer a transferência em 1991 do número 988 para o 247. Maravilhado com a comida, liguei para Martins na manhã seguinte e marquei uma conversa com ele naquela noite. Foi o especialista que apresentou a variedade de peixes amazônicos, de pirarucu a tambaqui, passando por uma maravilha chamada filhote, peixe barato na época e muito apreciado pela população local. “O filhote fica gigante e pode atingir 300 quilos. Têm melhor sabor os menores”, ensinava, sem proselitismo.
Tive o privilégio de saborear criações de Martins como uma versão do pato no tucupi chamada de pato do imperador. Ele havia desenvolvido essa releitura do clássico paraense dois anos antes da minha primeira vista ao Lá em Casa. Era uma homenagem ao imperador japonês Akihito, que esteve na cidade em 1997.
Também provei experimentos que o cozinheiro estava fazendo com a defumação de peixe, entre eles hadoque paraense. Ele queria dar o devido valor a um peixe desprezado, mas que gostava muito, gurijuba. Depois de banhar a carne com urucum e por no fumeiro (maneira como chama o defumador naquela região, idêntica à dos portugueses), o pescado ganhou cor e sabor especiais. “Costumo brincar que faço uma falsificação legítima!”, divertia-se. A sugestão encalhada no cardápio passou a campeão de vendas. Virou até prato da Boa Lembrança.
Cuidadoso e criterioso, Martins organizou, para mim, uma visita ao Ver o Peso, o fantástico mercado da capital paraense, embora não tenha participado. Deu as recomendações: que visse a chegada do açaí na madrugada, prestasse atenção aos peixes e suas variedades, desse valor às farinhas, me ocupasse da variedade de ervas…
Trago uma lembrança especial de Martins na Espanha, em 2005. Nessa época, eu era editor da Gazeta Mercantil e fui o primeiro jornalista brasileiro convidado para cobrir o congresso Madrid Fusión, liderado pelo gênio da culinária Ferran Adrià. Na primeira noite, a apresentação que encerraria o evento era do mesmo Alex Atala, que encantaria a plateia internacional com o palmito pupunha.
Num dos intervalos, trombei com Martins, que fora à capital espanhola num frio cortante de janeiro por conta própria. Sua missão como embaixador apaixonado da culinária paraense era apresentar a Adrià os produtos da Amazônia. Pouco mais de um par de anos depois, mais precisamente em novembro de 2008, Adrià esteve pessoalmente em Belém para conhecer a riqueza de insumos e a culinária ao vivo.
Depois da morte dele, a viúva, Tania, e as filhas, Daniela, a chef, e Joanna, a administradora, passaram a tocar o restaurante, que inaugurado em 2000 para a Estação de Docas, onde ficou por mais de 20 anos e permaneceu em funcionamento até o último domingo, dia 21. Põe-se um ponto final numa história iniciada 49 anos atrás por dona Anna Maria (1925-2007), mãe de Paulo.
Um ponto final, mas não um fim definitivo. No comunicado que recebi de Joanna, ela reforça: “esse ‘fechar de portas’ é um fechamento de ciclo, mas não um ponto final, pois as sementes plantadas no Lá em Casa florescem no É Pra Levar (@epralevar) e na Manioca (@maniocabrasil) que continuam levando a boa comida caseira e paraense para a casa de todo mundo.”
+ Assine a Vejinha a partir de 6,90 mensais
Valeu pela visita! Para me seguir nas redes sociais, é só clicar em:
Facebook: Arnaldo Lorençato
Instagram: @alorencato
Twitter: @alorencato
Para enviar um email, escreva para arnaldo.lorencato@abril.com.br
Caderno de receitas:
+ Fettuccine alfredo como se faz em Roma