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Blog do Lorençato

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O editor-executivo Arnaldo Lorençato é crítico de restaurantes há mais de 30 anos. De 1992 para cá, fez mais de 16 000 avaliações. Também comanda o Cozinha do Lorençato, um programa de entrevistas e receitas no YouTube. O jornalista é professor-doutor e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Memória: José Ruy Sampaio (1936-2020), médico e especialista em vinhos

O cirurgião e ex-importador da bebida, morto em decorrência do coronavírus, ainda clinicava e lançou uma série sobre brancos e tintos no YouTube

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Atualizado em 22 abr 2020, 20h22 - Publicado em 11 abr 2020, 21h13
Degustador afiado: mais uma vítima saudável para as estatísticas da pandemia em São Paulo (Reprodução do Youtube/Divulgação)
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Conhecido entre os colegas de medicina como um respeitado ortopedista especializado em cirurgias vertebrais – “Operei mais de 2.000 colunas e sem nenhuma reclamação dos pacientes”, costumava dizer aos amigos – José Ruy de Alvarenga Sampaio era um importante personagem do mundo do vinho. O médico de 83 anos, que seguia clinicando, morreu nesta sexta (10) no Hospital São Luiz, em decorrência de complicações causadas pela Covid-19. “Embora não fosse jovem, tinha uma saúde de ferro e não resistiu a esse bicho traiçoeiro”, lamenta o amigo José Amarante. “Ficamos muito amigos porque ele participou intensamente da Confraria do Amarante, que fundei em fevereiro de 1893, com a ajuda do grande jornalista Saul Galvão”.

Formado em pelo Faculdade Nacional do Rio de Janeiro, instituição fundada criada pelo príncipe-regente dom João VI e, atualmente, integrada à Universidade Federal do Rio de Janeiro, o paulista de Rio Claro viajou o mundo em busca de se especializar. José Ruy Sampaio, chamado de Sampa pelos mais próximos, estudou em países como Itália, França, Inglaterra e Estados Unidos, onde aproveitava as horas vagas para conhecer vinhos. Essa aproximação etílica foi facilitada o fato de ser fluente em quatro idiomas – espanhol, italiano, francês e inglês

Também chegou a se tomar parte da mais famosa confraria de garfo e taça que houve na cidade, a Pensão Humaitá, liderada pelo intelectual Yan de Almeida Prado. Ficava na esquina da Rua Humaitá com a Avenida Brigadeiro Luís Antônio e reunia personalidades como Assis Chateaubriand, Pietro Maria Bardi, Ciccillo Matarazzo, João de Scantimburgo e Tavares de Miranda. “As reuniões se realizam na casa de Yan, mas também com alguma regularidade no apartamento de Ciccilo Matarazzo, no Conjunto Nacional da Avenida Paulista, ou, eventualmente, em casa de outros ‘pensionistas’”, anotou o também médico Sergio de Paula Santos no capítulo “O sacrifício de beber”, de Memórias de adega e cozinha (Senac, 2007, 320 páginas).

Foram essas circunstâncias que levaram o médico renomado a montar uma importadora em 1974. “Nasceu como Maison des Vins e mais tarde teve o nome ajustado para Maison du Vin”, recorda-se Amarante, que trabalha para a Mistral. “O José Ruy começou o negócio com dois sócios para trazer os rótulos que gostava e não existiam no Brasil.”

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O especialista em vinhos: série no YouTube (Reprodução do YouTube/Divulgação)
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A Casa do Vinho, numa tradução direta para o português, marcou época pela qualidade de seu catálogo. “O Mário Gómez Carrera [importante importador de vinhos espanhóis] trouxe pioneiramente o Vega Sicilia, vinho icônico da Espanha. Vendeu algumas garrafas à Casa Santa Luzia e ao Depósito Normal. Logo veio a falecer. Então, a Maison du Vin passou a importar regularmente o vinho”, recorda-se Carlos Cabral, consultor do Pão de Açúcar. [não vale falar quem era Carrera?] Também se somaram ao portfólio preciosidades como o francês Romanée-Conti, o espanhol Rioja Alta e os italianos Gaja e Biondi Santi. Claro, havia garrafas mais em conta.

“Sampa era eclético. Tarimbado em degustação, tinha nariz e paladar afiados, era capaz de lembrar e descrever tintos e brancos provados anos atrás”, descreve o jornalista gastronômico J.A. Dias Lopes que foi diretor da extinta revista Gula. Foi ele quem convidou Sampaio para ser um dos degustadores da publicação. “Era o mais rigoroso nas notas. Altas só para vinho que realmente fosse muito bom”. Também fazia colaborações esporádicas de texto. Quem faz coro ao rigor de Sampaio é Ricardo Castilho, diretor da revista Prazeres da Mesa. “Sempre criterioso e até mesmo meticuloso, ensinava os segredos do vinho sem nenhuma afetação. Degustou os maiores rótulos, mas nunca esnobou, e bebia os mais simples com o respeito que o vinhateiro e produtor sempre merecem”, diz.

Sampaio permaneceu até 1981 na Maison du Vin, de onde saiu para dedicar-se exclusivamente à medicina. A importadora havia crescido muito e precisava de atenção. Na época, repassou sua parte ao arquiteto Miguel Juliano, goiano radicado em São Paulo e conhecido por obras que modificaram a paisagem da cidade, como o Pavilhão de Exposições do Anhembi, as unidades do Sesc Pinheiros e Santana e o edifício Del Rey com plantas que crescem em espaçosas jardineiras. A Maison du Vin teve seu ponto final 2003.

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Dos meus encontros com José Ruy, lembro dele como um ótimo contador de histórias de fala tranquila. Lembro de uma extraída de uma antiga viagem à região francesa da Borgonha. Ele e o pequeno grupo que o acompanhava bateram à porta de um produtor de foie gras, dos melhores. O homem abriu as portas e serviu, com enorme simpatia, a iguaria, que hoje perde adeptos mundo afora pelo método cruel usado na sua obtenção do fígado gordo por superalimentação do ganso ou do pato.

Essa expertise de narrador, Sampaio, que deixa a mulher Ana Maria, um casal de filhos, Patrícia e Luis, e quatro netos, usou para criar uma série para o YouTube, intitulada Zé do Vinho, e lançada em 2018. É uma maneira de sua memória continuar viva e aqueles que desejam se iniciar no fascinante universo do vinho desfrutar dos seus ensinamentos.

 

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