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Viva o crachá

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 18h38 - Publicado em 20 ago 2010, 22h11

Minha memória é traiçoeira. Muitas vezes, se encontro alguém, sei que conheço. Não me lembro de onde. Menos ainda do nome. A pessoa se aproxima com familiaridade. Penso: “Devo conhecer, e bem”. Vem a conversa. Planto deixas para ver se a pessoa me dá uma dica para localizá-la em algum arquivo da memória.

— E a vida amorosa, como vai?          

Evito a palavra casamento, por não saber se a figura é solteira, casada ou disponível. Salta a resposta:                                                                                                      

— Estou na mesma.                                                                                               

Oh, céus! Tanto pode significar que permanece com a mesma esposa ou que cumpre um antigo voto de castidade! Inevitavelmente, um amigo entra no meio da conversa.

— Opa, você está aí.

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Por educação, eu deveria apresentar os dois. Impossível. Lembro só o nome de quem chegou! Disfarço:

— Estávamos aqui falando…

Piora quando o recém-chegado é um insensível e diz:

— Não vai me apresentar?

Quase grito: “Socorro!”. Tento dar uma cartada para descobrir o nome do primeiro. Digo:

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— Para que tanta formalidade! Melhor se apresentarem sozinhos!

Ouço um nome comum. Continuo no vácuo. Fujo para pegar uma bebida. No meio do caminho, lembro:

— Mas é meu primo!                                                                                              Volto correndo. Peço desculpas:

— Não tenho cérebro. Mas um mata-borrão no lugar.

— Achei que estava estranho. Tudo bem, é muito ocupado.

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— Ocupado, não. Sou doido!

Já cometi falhas incríveis. Certa vez pensei, ao olhar para uma mulher alta: “Acho que conheço”. A dita-cuja se aproximou:

— Não está me reconhecendo? Ou me confundiu com um coqueiro?

Era a Cláudia Raia. E eu:

— Ah, desculpe, meus óculos estão muito ruins.

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Mentira. Foi um branco. Para piorar, dali a alguns meses, em outra festa, vi a mesma moça alta… e não reconheci a Cláudia Raia de novo! Por segurança, se alguém me faz sinal com a mão de longe, sempre retribuo. A pessoa faz carão. Dali a pouco descubro que era para alguém atrás de mim.

Também ocorre o contrário: penso que conheço, mas confundi com alguém. Dou um abraço, feliz:

— Sabe que eu estava com saudade?

Preocupado porque não se lembra de mim, o outro responde constrangido:

— Ah, eu também. Muita saudade.                                                                              — Como vai sua mãe? Faz tempo que não a vejo.                                                           — Está boa, ainda mora no Paraná. Nunca sai de lá.

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Gelo por dentro. Jamais visitei a mãe de alguém no Paraná. E de repente descubro que não conheço o abraçado.

— Foi bom te ver, mas eu…                                                                                           — Espera!

Depois de ter falado da mãe, o fulano acha que me conhece. Quer descobrir de onde. Puxa papo:

— E seu irmão? O consultório dentário vai bem?

— Meu irmão não é dentista.

— Ah, é, confundi. Mas então…

— Pois é, então…

Crio truques com os amigos:

— Se você me vir conversando com alguém, apresente-se primeiro e pergunte o nome da pessoa.

Na hora H, ninguém se lembra!

Às vezes digo simplesmente:

— Sinto muito, seu nome virou fumaça na minha cabeça.

Magoa. A resposta torna-se amarga:

— É… Agora não dá mais importância aos pobres!

Quase me ajoelho para pedir perdão! O esquecido se afasta ofendido. Também tento:

— Claro que não te reconheci, você está tão magra! Ficou linda!

Esse truque, confesso, sempre dá certo!

Tenho ido a eventos comerciais em que todo mundo usa crachá. Que alívio! O último foi a Bienal do Livro. Encontrei pessoas que não via fazia anos.

— Oi, lembra de mim? — alguém dizia.

Espetava os olhos no crachá. Abria os braços:

— Claro! Há quanto tempo!

Sei que é uma lei impossível. Mas todo mundo devia ser obrigado a usar crachá. Minha vida se tornaria muito mais fácil. E aposto que a de muita gente também.

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