Vila Madalena: reduto baladeiro
Não existe noite vazia no bairro onde a renda média dos domicílios é de cerca de 9 000 reais e metade das famílias não tem filhos
A Vila Madalena tem apenas 2,3 quilômetros quadrados de área e seria normal conseguir cruzá-la de carro de uma ponta à outra em menos de cinco minutos. Mas é difícil executar a tarefa, tamanha a concentração de atrações que existem no caminho: quase 300 bares, restaurantes e lanchonetes e mais de quarenta livrarias e lojas de artesanato. Quem passa acaba parando para pôr as notícias em dia com algum conhecido. Em uma região onde a renda média dos domicílios é de cerca de 9 000 reais e em que 51% das famílias não possuem filhos, as ruas dificilmente ficam desertas.
Boa parte dessa renda é investida em tulipas e caldeiretas bem geladas. Elton Altman, dono dos bares Filial, Genésio e Genial, estima vender mensalmente 36 000 litros de chope. “A Vila Madalena é tradicionalmente frequentada por artistas, geralmente boêmios”, afirma Altman. Seu Jorge e Max de Castro costumam ir ao Filial, na Rua Fidalga. Maria Rita prefere o Genésio, na calçada em frente. Na Rua Wisard, cineastas batem ponto no Empanadas, e o cartunista Paulo Caruso dá canja nos shows de jazz e MPB do Piratininga.
“Tem tudo de que eu gosto, e bem pertinho: bar, livraria, bar, café, bar, sebo, bar, padaria”, brinca o escritor pernambucano Marcelino Freire. “Ao mesmo tempo, conserva o jeitão de cidadezinha do interior, com barbeiros que atendem em garagens, naquelas cadeiras pretas”, diz o fotógrafo Marcelo Pallotta, que montou estúdio na Rua Aspicuelta.
O perfil intelectual dos frequentadores do bairro colaborou para o sucesso da Livraria da Vila. Fundada em 1985, a loja da Rua Fradique Coutinho virou rede, com quatro outros estabelecimentos na capital. “É um ponto de encontro de leitores, e transformamos essa identidade numa marca”, diz o empresário Samuel Seibel. Em novembro, autores nacionais e estrangeiros são esperados na livraria para a Balada Literária, que promove palestras e shows durante um fim de semana.
Como todo canto boêmio que se preze, blocos fazem a alegria do carnaval de rua. O cineasta Gustavo Mello, integrante do Cordão Confraria do Pasmado, conta que a agremiação arrastou cerca de 5 000 pessoas em fevereiro. “A proposta é sair pelas ruas e tocar música. Buscamos a diversão e não ficamos restritos ao Sambódromo.” Para quem prefere o samba da avenida, vale conferir os ensaios da escola Pérola Negra, na quadra da Rua Girassol.
Mas o fervor que atrai o público também traz tráfego para as vias estreitas. “Ônibus fazem curvas em espaços quase impossíveis e carros são estacionados em locais proibidos. Isso sem contar os valets, muitos deles irregulares”, destaca Vângela Velozo, diretora do Centro Cultural Vila Madalena. De olho na Copa do Mundo de 2014, a entidade firmou parceria com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) para dar treinamento aos manobristas. Em 2008, a prefeitura apresentou um projeto de reurbanização da região, patrocinado pela iniciativa privada, nos moldes do que foi feito na Rua Oscar Freire.
De acordo com estudos da CET, o projeto favorecia a fluidez do trânsito. Associações de moradores foram contra, por entender que o lugar ficaria ainda mais barulhento. “Nos fins de semana, uso protetor auricular ou fujo para a casa da minha namorada”, afirma o jornalista João Guilherme Lacerda. “O agito acaba limitando a vocação imobiliária do bairro”, avalia Reinaldo Gregori, presidente da Cognatis Geomarketing. “São raros os empreendimentos com mais de dois dormitórios, porque as famílias preferem a tranquilidade de outras áreas da cidade.”