Quando crio, mergulho profundamente na vida dos personagens. Ao terminar um livro ou, no caso, uma novela como a recente Caras & Bocas, apresentada pela TV Globo, arranco os cabelos, fico com mágoa da vida. Parece coisa de doido. Mas não é. Durante a criação, os personagens “ganham” vida. Tornam- se pessoas com quem convivo diariamente. Muitas vezes, até, escolho um destino, mas o personagem se revolta. A trama fica artificial e mudo tudo! Entendo que “ele” jamais faria isso ou aquilo. Óbvio que cada um tem um pedacinho de mim. Mas, quanto mais entrego, mais independência eles conquistam. Ainda mais no caso da telenovela, pois diariamente assisto à interpretação de um ator ou atriz que também coloca algo de si. Todos se transformam — até mesmo as vilãs — em amigos próximos! E, de um dia para o outro, boto a palavra FIM. Tudo termina! Digo adeus a quarenta, cinquenta personagens com quem convivia diariamente. Minha amiga Glória Perez certa vez declarou que é como “estar no naufrágio do Titanic e ser a única pessoa a se salvar”.
Com os livros acontece a mesma coisa. A vida de um personagem é paralisada, muitas vezes diante de uma decisão crucial. Em um dos meus títulos, A Palavra Não Dita, no último capítulo uma garota finalmente descobre quem é seu pai. E depois? Eles se deram bem? Ou nunca mais se viram? Bem fez Monteiro Lobato, que escreveu toda a coleção do Picapau Amarelo com a mesma genial Emília!
A vida de um escritor não é tão glamourosa como se imagina. Durante boa parte do tempo sou convidado para festas, estreias e eventos. Mas só vou raramente. Escrever é um trabalho solitário, que exige concentração, disciplina, vida pacata. Ainda mais durante uma novela, em que se desenvolvem de vinte a trinta páginas de roteiro por dia, dependendo do horário! Mas também nada é mais fascinante do que assistir a um capítulo da própria obra. É muito melhor que vida social! Já vi a escritora Maria Adelaide Amaral sair discretamente de um jantar para não perder sua minissérie. Eu faria o mesmo. Durante uma novela, passo boa parte do tempo me indispondo com as pessoas, que tentam me convencer a “dar só uma passadinha”, “gravar e assistir de pois”.
Às vezes me entrego demais à história. Tenho uma característica próxima da loucura absoluta. Se estou escrevendo cenas dramáticas, eu me comporto mais dramaticamente ainda. Sou capaz de me sentir rejeitado porque o garçom esqueceu de botar o saleiro na mesa! Ao contrário, se escrevo humor, faço piada com todo mundo. Pior: se tramo crimes, adquiro um olhar meio torto. Na rua, viro para trás constantemente para ver se alguém me segue!
Às vezes lembro de novelas mais antigas. Sinto saudade de uma personagem como de uma amiga que viajou para outro país. Dá vontade de mandar carta ou e-mail. Outro dia, liguei para o Otaviano Costa, da recém-terminada Caras & Bocas.
— Sinto saudade do seu personagem, Adenor — confessei. — Morria de rir com ele.
— Eu também — suspirou Otaviano. — Vamos fazer o seguinte: a gente sai para jantar, mas eu finjo que sou o Adenor. Convidamos outros atores e cada um vai com seu personagem. A gente cria uma realidade virtual!
Quase topei.
É, dá uma tremenda tristeza. Mas um bichinho já está me mordendo. Quero escrever novamente, seja o que for: livro, peça de teatro, novela, série. Reviver o ciclo de emoções, alegrias e despedidas. E misturar novamente as emoções com os personagens e tramas que sempre vão fazer parte da minha vida!