Motociclista acusa o vereador Milton Leite de provocar acidente grave
Político, que estava com a habilitação cassada, se diz vítima
Aquele Sábado de Aleluia de 2018 não sai da cabeça (nem do corpo) do economista Jorge Gianchetta, 35. Por volta das 13h30 do dia 31 de março, enquanto ele se dirigia a Santo Amaro pela Marginal Pinheiros, vindo de Osasco, onde mora, sua Honda CG 125 cilindradas foi atingida pela lateral de uma Mercedes-Benz prata, ano 2014, avaliada em cerca de 150 000 reais. Ao volante estava o vereador paulistano Milton Leite (DEM), um dos homens mais influentes de São Paulo, com poder de indicar secretários na prefeitura e no governo do estado. Na época, Leite estava (ainda está) com a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) cassada pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran). “A moto ficou presa na roda do carro e eu fui arrastado junto. Meu corpo foi ‘comido’ pelo asfalto quente”, afirma Gianchetta, que contabiliza fraturas nas mãos, no ombro esquerdo e em uma das pernas.
Após ser atendido no local por uma ambulância do Corpo de Bombeiros, o economista ficou doze dias internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital São Luiz, no Morumbi. Depois da alta, foram mais dois meses sem sair da cama e outros seis usando muleta para andar. “Passei por nove cirurgias, sendo quatro ortopédicas e cinco reconstrutivas”, diz. Além de perder o emprego como gerente em uma loja de roupas no Bom Retiro e de ficar com o nome sujo no cadastro de inadimplentes por causa das contas que não param de chegar, ele não conseguiu acompanhar o nascimento do terceiro filho, hoje com 1 ano e meio de idade.
Agora que conseguiu ficar em pé sozinho, Gianchetta tenta obter na Justiça uma indenização de 400 000 reais referente a danos morais e materiais que afirma ter sofrido de Milton Leite. Diz que em nenhum momento foi procurado e que não obteve êxito em notificar extrajudicialmente o parlamentar. O próximo passo é convencer o juiz de que realmente é vítima da batida, o que o vereador nega. No processo, o advogado do político, Luis Carlos Moraes Caetano, relata que o motociclista transitava no meio dos carros e que foi imprudente na condução da moto: “Se (o motociclista) estivesse em velocidade compatível com o que é permitido, evidentemente os danos seriam bem menores”. O defensor afirma que acredita no Poder Judiciário para reparar os equívocos sobre a responsabilização do acidente.
Outro ponto que Milton Leite deverá esclarecer é o fato de continuar dirigindo mesmo com a CNH cassada (antes disso ele teve o documento suspenso por excesso de pontos, mas seu carro levou uma multa e a penalidade foi mais dura). Em agosto do ano passado, ele entrou com uma ação na Justiça em que contestava a punição do Detran e solicitava uma liminar para obter o documento de volta, mas o juiz negou o pedido. Nesse processo, ele diz que foi notificado da cassação em 16 de março de 2018. Ou seja, quando ocorreu o acidente na Marginal Pinheiros, duas semanas mais tarde, ele já sabia que não poderia continuar à frente do volante. “Quem dirige durante o cumprimento de uma pena de cassação está cometendo um crime”, explica o advogado Maurício Januzzi, especialista em legislação de trânsito. A punição varia de seis meses a um ano de cadeia ou multa.
O tipo de acidente ocorrido na véspera da Páscoa de 2018 na Marginal Pinheiros é um dos mais fatais em São Paulo. No ano passado, a cidade registrou 849 mortes decorrentes de batidas de trânsito, das quais 366 foram de motociclistas. “Fica a sensação de impotência diante de tanta adversidade. Faço acompanhamento psicológico por causa do acidente, mas graças a Deus estou vivo para ver meus filhos crescer”, conta Gianchetta, que poderá entrar em outra briga jurídica. Seu plano de saúde não quer pagar os custos das novas cirurgias para o tratamento de queloides resultantes das diversas cicatrizes espalhadas por seu corpo. Serão necessárias pelo menos mais seis intervenções. “O asfalto continua preso na minha pele.”
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 27 de novembro de 2019, edição nº 2662.