Livro conta a história das vedetes, sucesso nas décadas de 40 e 50
Estrelas do teatro de revista, atrizes como Marly Marley e Salomé Parísio foram retratadas
NO JÚRI DE RAUL GIL
Aos 17 anos, Marly Marley olhou para a mãe e revelou que havia descoberto sua vocação: o teatro de revista. Percebeu a decepção, mas manteve-se firme. “Se ela não me aceitasse, infelizmente eu sumiria de sua vida.” Foi assim, na base da determinação, que a mato-grossense radicada em São Paulo consolidou a trajetória artística. Suas pernas deixavam os fãs eufóricos, e muitos não economizavam para lhe agradar. “Recebia flores, com joias escondidas no meio do arranjo. E devolvia todas”, garante. “Aceitar presente caro significava que teria de pagar com outra moeda valiosa.” Nos anos 60, a TV descobriu Marly. Nos bastidores da Rede Bandeirantes, ela conheceu o humorista Ary Toledo, com quem é casada há 42 anos. “Nunca posei nua e não suporto piadinhas a meu respeito”, afirma ela, que ainda hoje renova o fã-clube na TV como jurada do “Programa Raul Gil”, no SBT.
INCANSÁVEL AOS 89
Recém-chegada do Rio de Janeiro, a pernambucana Dulce de Jesus Oliveira, a Salomé Parísio, estreou em 1947 no Teatro Santana o espetáculo “Um Milhão de Mulheres”. As filas se formavam na Rua 24 de Maio para ver o número em que a estonteante mulata mostrava os seios. “Só sentia vergonha quando enxergava algum conhecido”, lembra a vedete, aos 89 anos. A cena conquistou até o então governador Adhemar de Barros. “Ele era louco pelas minhas pernas, principalmente por uma pinta que tenho”, conta. O sucesso levou Salomé a ficar de vez na cidade. Brilhou no Teatro Odeon e no Teatro das Nações, excursionou pela América Latina e cantou no Radio City Music Hall, de Nova York. Com dinheiro no bolso, buscou a mãe e o filho no Nordeste. Sempre que se apaixonava ouvia a mesma frase: “Vamos com calma para que minha família não saiba”. Depois de estrelar a revista “Chica da Silva” (1965), Salomé foi para a TV, onde participou da novela “Sangue do Meu Sangue” e do programa “Almoço com as Estrelas”. O diretor Antunes Filho rendeu-se ao seu charme e a escalou para a peça “Macunaíma”, em 1978. “Viajamos por catorze países”, diz. A glória ficou na invejável memória, mas a garra se mantém necessária. Salomé vive em um apartamento alugado no centro, dá aulas de canto e técnica vocal para se manter. Ainda faz pelo menos três shows por mês em restaurantes e clubes, pelo cachê de 700 reais. “Não tenho mágoas, apenas sonhos”, garante ela. “Queria festejar meus 90 anos com um espetáculo em que pudesse oferecer entrada franca.”
UMA NOIVA DE CONTO DE FADAS
Em 1956, a vedete Lílian Fernandes e o comediante Colé protagonizaram um conto de fadas. A noiva, de 20 anos, chegou à igreja em um carro conversível, vestida pelo estilista Denner, e o pai, um italiano marrento, respirou aliviado. Afinal, a filha, que já lhe dera o desgosto de rebolar no teatro, pelo menos havia casado como mandava o figurino. “Ele me obrigou a passar seis meses na Europa logo que fiz o primeiro teste, convicto de que eu desistiria da carreira”, conta. “Na volta, eu estreei na revista ‘Brasil 3000’, no Teatro de Alumínio, na Praça da Bandeira.” Ao lado do marido, Colé, Lílian excursionou uma década pelo país. “Faturamos um bom dinheiro, mas ele perdeu muita coisa com jogo e mulheres”, lamenta a artista, que fez sua base no Rio de Janeiro, participou de programas de TV e, aposentada, voltou a São Paulo em 1995, com as duas filhas. O palco ficou para trás. Prazer mesmo a ex-vedete tem ao dirigir de sua casa, no bairro do Ipiranga, até o apartamento do Guarujá e caminhar pela praia. “Estou com 75 anos. Aquele tempo passou. O duro é perceber que envelhecemos.”
ESTRELA EM OUTRO PALCO
A paulistana Janette Josephina Paravatti, a Janette Jane, rebolou muito para tornar-se estrela. Descendente de italianos, residentes no bairro do Brás, a garota penou, principalmente depois da separação dos pais e da mudança da mãe para o Rio de Janeiro. “Ia e voltava o tempo todo”, conta ela. Aos 16 anos, estreou como bailarina no Teatro de Alumínio, logo depois de se oferecer para o elenco da revista “Pernas Provocantes”. “Sabia os textos na ponta da língua e, sempre que havia um problema, eu assumia o lugar de alguém.” Janette vivia para trabalhar. Recebia, sim, flores, sapatos e até joias dos fãs, mas nada de gandaia, jura. “Não era à toa que não viam o teatro de revista com respeito”, diz ela. Depois de um rápido casamento e um filho, conheceu o empresário José Coelho e ouviu uma frase radical: “Mulher minha não trabalha”. Virou as costas para o palco, teve mais dois filhos e brilhou no lar. “Eu sumi para viver 46 anos de um grande amor”, diz ela, que, aos 72 anos, é viúva e mora no Rio de Janeiro.
DE PARAR O TRÂNSITO
O maior escândalo protagonizado por Eloína Ferraz não se deu no Teatro Natal, na Avenida São João, tradicional palco das revistas. Em 1961, a vedete do “corpo de violão” tumultuou o Viaduto do Chá e acabou na delegacia. O motivo? Sua participação em um desfile de moda ao ar livre para lançar a calça saint-tropez, aquela de cintura baixa, que deixa o umbigo de fora. “Fui chamada depois para fazer fotos no chafariz da Praça da Sé e recusei. Não queria saber de confusões”, lembra ela, que nessa época já estava separada do ator Silva Filho, pai de José Antônio, hoje com 50 anos, e colecionava namorados como os cantores Nelson Gonçalves e Evaldo Gouveia. Com a TV, Eloína viu o teatro perder força e, aos 34 anos, saiu de cena. “Quis guardar a lembrança de uma carreira gloriosa e me retirei no auge.” No Rio Grande do Sul, seu estado de origem, entrou na faculdade de artes cênicas, voltou a se casar e teve Jacqueline, a segunda filha, de 37 anos. A ex-vedete dá aulas de teatro em Porto Alegre e, aos 73 anos, não perdeu a graça. Reencontrou um namorado na internet e, juntos, vão passar férias em Portugal.
MUDANÇA DE HÁBITO
A mocinha desinibida ao lado, imaginem, sonhava ser freira. Paulistana da Mooca, Esther Tarcitano, a Estherzinha, passou a infância encantada com o hábito monocromático das religiosas no colégio interno. Bastou, porém, pisar em um teatro pela primeira vez, aos 14 anos, para ficar fascinada pelas peças mínimas que deixavam à mostra o corpo das bailarinas. Um ano depois, estreou como vedete na comédia “Maria Gasogênio” (1944), no Rio de Janeiro, e chamou atenção como sapateadora. Mas foi em São Paulo que Esther conheceu seu maior sucesso, com a revista “Rumo a Brasília” (1957), que lotou por seis meses o Teatro Paramount. “Sempre me produzi e, como ganhei dinheiro, também perdi muito”, conta ela. Aos 82 anos e viúva de um americano, com quem foi casada entre 1989 e 1996, vive de aposentadoria. Mora no único imóvel que lhe restou, em Copacabana, e participa de programas de uma TV comunitária do Rio de Janeiro.