USP: a filosofia da encrenca
Grupo radical invade a reitoria num movimento que prega a expulsão da polícia da Cidade Universitária e até a liberação das drogas no câmpus
No conceituadíssimo ranking de ensino superior QS World, da Inglaterra, nove cursos da Universidade de São Paulo figuram entre os 200 melhores do mundo. Seis deles são oferecidos pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), frequentada por 17.000 alunos de graduação, pós e extensão. Nas últimas semanas, porém, a imagem mais associada à instituição não teve nada a ver com esses méritos acadêmicos. O local ficou marcado por badernas e atos de vandalismo promovidos por uma minoria radical de estudantes, muitos deles ligados a pequenas siglas à esquerda da esquerda, como o Partido da Causa Operária (PCO) e a Liga Estratégia Revolucionária — Quarta Internacional (LER-QI). No espaço de uma semana, essa turma, composta de aproximadamente uma centena de jovens, entrou em confronto com policiais (ferindo dois deles e depredando cinco viaturas), comandou manifestações contra a presença da PM no câmpus e ocupou os prédios da FFLCH e da reitoria.
+ Rodas pede reintegração de posse do prédio da reitoria
+ João Grandino Rodas, o novo reitor da USP
Nos principais movimentos, os líderes adotaram a tática de agir encapuzados para dificultar futuras punições. Nas assembleias que misturavam velhos bordões de resistência dos anos 60 a cartazes com caneladas no português, como “Policiais não são trabaliadores (sic), são o braço armados (sic) dos exploradores”, eles foram ampliando com o passar do tempo a lista de reivindicações.
Num tremendo balaio de gatos, coube de tudo: da liberação da maconha ao fim do vestibular. Outra bandeira é a anulação de vinte processos administrativos movidos contra estudantes por conta de outras balbúrdias ocorridas por ali nos últimos anos. Para acabar com o problema mais recente, a direção da USP entrou com um pedido de reintegração de posse do edifício da reitoria, acatado na noite de quinta passada (3) pela Justiça, que deu prazo de 24 horas para os manifestantes abandonarem o local.
A confusão começou na semana anterior, quando na noite de quinta (27) um bando apedrejou soldados que conduziam à delegacia três garotos do curso de geografia, flagrados portando pequenas quantidades de maconha. Desde então, essas pessoas exigem que o conselho gestor da USP rompa o convênio que intensificou as rondas de viaturas para combater a criminalidade na Cidade Universitária.
Para marcar sua posição, o bando invadiu na mesma noite do confronto a sede da administração da FFLCH. Dias depois, na noite de terça (1º), a maioria dos presentes a uma assembleia decidiu pela retirada do local. Inconformada, a ala radical, mostrando que sua única filosofia é ser do contra, entrou em conflito com representantes dos centros acadêmicos e tomou, então, as dependências da reitoria.
Embora tenha batido recordes de ousadia, a ação recente não foi a primeira das encrencas protagonizadas pelos aloprados da FFLCH. Em 2007, eles estavam no meio da turba que ocupou durante cinquenta dias o prédio da reitoria, na época sob a gestão de Suely Vilela. “Com caráter autoritário e intimidatório, esses grupos possuem finalidades que extrapolam a universidade e dela se servem como meio para atingir seus propósitos”, indigna-se o atual reitor, João Grandino Rodas, que virou “persona non grata” entre essa turma justamente por defender a ordem e a racionalidade no câmpus.
Ele é uma das pessoas favoráveis à presença da PM por ali, posição apoiada pela maioria do conselho gestor da USP em maio, depois da comoção provocada pelo assassinato do estudante Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos, morto com um tiro numa tentativa de assalto no estacionamento do prédio da Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade (FEA). Desde então, ocorreu uma redução drástica nos problemas de segurança. Os sequestros-relâmpago caíram 87,5% e os furtos de carro despencaram 90%, entre outras melhoras.
Apesar do avanço, os estudantes do contra reclamam que a PM estaria cometendo abusos por ali, como intimidar alunos nos corredores. As acusações são vagas e sem nenhum tipo de comprovação. Apesar de representarem 0,11% da comunidade dos 89.000 matriculados na universidade, os extremistas demonstram uma capacidade inversamente proporcional em termos de mobilização.
Entre os agitadores, há gente como Rafael Alves, acusado de participar da invasão do prédio da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas), em 2010, que deixou um funcionário ferido por estilhaços de vidro de uma janela arrombada. Ele é o típico “estudante profissional”: estourou o prazo máximo de sete anos para concluir o curso de letras — no termo acadêmico, jubilou-se. Perdeu, assim, o direito a continuar vivendo gratuitamente na moradia assistencial. Voltou à instituição neste ano, por meio de vestibular, ocupando vaga que lhe garante a permanência na área por mais um longo período. Tenta também conseguir seu apartamento de volta (a exemplo de outros rebeldes, ele se recusou a dar entrevista para esta reportagem).
+ Galeria: personagens que agitaram a semana de confusões na universidade
Nos edifícios ocupados, em meio ao fumacê e ao cheiro de mato queimado, ocorriam debates sobre livros como “O Estado e a Revolução”, de Lenin, exibição de documentários e, claro, festas. Nos encontros, não falta gente em defesa de causas alheias ao cotidiano do câmpus. Lucas Pessoa, do terceiro ano de letras, pediu o microfone em assembleia com a finalidade de fazer propaganda do movimento anticapitalista Ocupa Sampa, que montou acampamento no Vale do Anhangabaú. Já o professor de história Henrique Carneiro aproveitou um ato para propor aos jovens que “a luta tem de continuar também pela legalização da maconha e pelo fim da guerra contra as drogas”.
A divisão dentro da Cidade Universitária ficou clara na última terça (1º), quando duas manifestações foram realizadas simultaneamente: uma pró e outra contra a presença da PM por ali. Cerca de 300 estudantes favoráveis à manutenção das rondas reuniram-se na Praça do Relógio. Aline Magna, de 20 anos, que cursa letras, foi uma das organizadoras do evento. “As pessoas que apoiam o convênio são maioria na faculdade, mas quando dão sua opinião são tachadas de fascistas”, afirmou. Igor Teixeira, aluno do curso de artes plásticas, assumiu o microfone na ocasião para criticar os colegas radicais. “Sinto vergonha de saber que rejeitam segurança na USP para poder andar com seu pacotinho de maconha no bolso”, disse, enquanto recebia aplausos dos presentes pelas poucas palavras razoáveis ditas numa semana de tanta confusão e insensatez.
CONFUSÕES EM SÉRIE
Algumas das agitações que envolveram nos últimos tempos a ultraesquerda da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
■ Em 2007, quando a USP era comandada por Suely Vilela, foi uma das correntes mais fortes na invasão da reitoria, que durou cinquenta dias. Parte desses alunos ainda não conseguiu se formar
■ Para reivindicar vagas de moradia, um grupo de estudantes montou acampamento dentro de salas administrativas da Coseas (Coordenadoria de Assistência Social) em 2010
■ No início deste ano, o movimento Roda, Rodas exigia o impeachment do atual reitor, por motivos como a demissão de funcionários que acumulavam salário com aposentadoria pelo INSS
■ Em abril, durante protesto ao lado de faxineiros terceirizados que estavam em greve, alunos ajudaram os manifestantes a espalhar pela faculdade o lixo acumulado pela falta do serviço
■ No início das tensões que culminaram nas invasões dos últimos dias, militantes interromperam aulas para convocar alunos contra a detenção de três estudantes pegos com maconha
UM CÂMPUS MAIS SEGURO
Crimes em queda após o reforço da PM*
Furtos de veículos………………………………………. -90%
Sequestros-relâmpago………………………………. -87,5%
Lesões corporais………………………………………… -77,8%
Roubos……………………………………………………….. -66,7%
*Comparação entre os oitenta dias anteriores a 19 de maio, quando o policiamento foi intensificado, e os oitenta dias seguintes, descontadas as férias de julho
Fonte: Polícia Militar