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Na pandemia, universidades públicas recorrem a doação de empresas privadas

Resultado, dizem educadores, é o fim do preconceito contra parceria com iniciativa privada

Por Pedro Carvalho
Atualizado em 13 jul 2020, 14h47 - Publicado em 10 jul 2020, 06h00

No dia 15 de março, um grupo de professores da Escola Politécnica da USP, preocupado com a Covid-19, decidiu fabricar um respirador mais barato para os hospitais brasileiros. Duas semanas depois, Marcelo Zuffo, titular no departamento de sistemas eletrônicos e um dos pais da ideia, tinha um buraco de 25 000 reais no cartão de crédito pessoal. Não demorou para o time perceber que, diante do desafio do vírus, precisaria perder o medo de um velho “fantasma” que assombra os corredores acadêmicos: as doações de empresas. “A universidade teve de sair da ‘torre de marfim’”, diz Zuffo.

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A pandemia antecipou, na opinião dos acadêmicos, a morte desse espinhoso tabu. (A mais recente encrenca aconteceu na semana passada: alunos da Faculdade de Direito da USP tentaram melar uma doação de 16 milhões da JBS à biblioteca, alegando que poderia ferir a independência de futuras pesquisas. Não colou e o dinheiro está empenhado. Um acervo de 170 000 livros, em acomodações inadequadas, agradece.) Nas duas mais importantes universidades paulistas, a USP e a Unicamp, a emergência do coronavírus levou a uma inédita — e, pelo jeito, duradoura — aproximação entre pesquisadores e CEOs.

Livros da biblioteca de Direito, que será salva com a ajuda da JBS. (Arquivo Pessoal/Reprodução)

“Perdi a vergonha e fui bater na porta das empresas”, diz Marcelo Knobel, reitor da Unicamp. Knobel tinha boas razões para abandonar o pudor. O Hospital Universitário (e esse era apenas um dos pepinos que precisaria resolver) usa 6 000 máscaras por dia, um insumo cujo preço saltou de 10 centavos para 2,60 reais a unidade. Deu resultado. Marcas como Samsung, 3M, McDonald’s, Natura, Raízen e Banco Safra abriram a carteira ou fizeram doações de materiais [para doar, clique aqui]. “As universidades públicas sempre tiveram enorme resistência a parcerias com empresas”, explica Knobel, um conhecido defensor do ensino superior gratuito. “Acho que as pontes feitas na pandemia vão mudar o cenário”, afirma.

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Na USP, o time do respirador conseguiu levantar 6,5 milhões, dos quais 60% são doações corporativas. As principais benfeitoras foram Itaú, Bradesco, Mapfre e P&G. Além delas, a Ambev garantiu o plástico e a Votorantim entrou com o alumínio usado no equipamento. Em troca, a USP se comprometeu a produzir 1 000 respiradores, que vão custar por volta de 5% do valor praticado no mercado. A tecnologia está pronta e começou a ser testada na semana passada, mas aguarda licença da Anvisa.

Doações feitas por empresas à Unicamp: departamento fixo para lidar com o tema (Caius Lucillius/Assessoria HC/Reprodução)

“As novas parcerias com as empresas romperam o isolamento da academia. Por consequência, mostraram à sociedade que temos a capacidade de entregar soluções”, diz Zuffo. “A visão de que a universidade pública não pode receber doações privadas nos afastou da sociedade. O equívoco desse discurso é que ele tira dos pesquisadores a capacidade de resolver os grandes problemas contemporâneos. É por isso que a legitimidade da ciência tem sido questionada”, afirma. Nos países da OCDE (as maiores economias globais), dois terços do dinheiro para a pesquisa e desenvolvimento tecnológico têm origem privada. No Brasil, é o contrário: um terço é privado, dois terços são de recursos públicos.

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Marcelo Knobel. (Antonio Scarpinetti/Sec Unicamp/Divulgação)

Achar uma fórmula segura para unir o dinheiro das empresas à autonomia universitária não é uma ciência complicada. “É preciso transparência total e contratos que garantam as patentes às universidades”, afirma o professor Heleno Torres, da Faculdade de Direito da USP.

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No rastro da pandemia, as escolas já se preparam para essa modernização. “Após a quarentena, vamos criar um departamento fixo para lidar com as doações”, declara Knobel, da Unicamp.

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