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Uma princesa duas vezes especial

Descendente da família real brasileira, Maria Cristina poderia ser considerada diferente. Mas, ao em vez disso, quebra barreiras para ser uma jovem comum

Por Thaís Zimmer Martins
Atualizado em 1 jun 2017, 16h59 - Publicado em 21 mar 2015, 09h53
Paimae
Paimae (Elástica/)
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A realeza não aparece em forma de coroa no topo do cabelo liso de Maria Cristina, mas nos movimentos delicados. A jovem de 25 anos tem um nome que preenche duas linhas na carteira de identidade: Princesa Dona Maria de Orleans e Bragança. Uma princesa de carne e osso, ela ressalta. Não tem encantamento ou faz de conta. A realeza é simbólica, mas nem por isso deixa de existir. O sangue que corre nas veias dela é azul porque carrega o sobrenome da família real brasileira. Maria Cristina é filha de Dom João, que é bisneto da princesa Isabel e tataraneto de Dom Pedro II.

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O que a difere das 37 princesas que vivem no país é um cromossomo extra. Talvez Maria Cristina seja a única princesa do mundo inteiro a ter síndrome de down, o que a faz ser especial em dobro. A diferença, entretanto, é quebrada por ela a cada momento. Apesar do sangue azul e do cromossomo extra que tem no corpo, a princesinha tem a vida de uma jovem comum: trabalha, namora, sai com os amigos e viaja com a família. O que a diferencia é a profissão que escolheu seguir, a de escritora.

Sentada em frente a um divã rosa, em um quarto amplo e delicadamente decorado na zona oeste do Rio de Janeiro, Maria Cristina passa boa parte das tardes com diversas pilhas de papeis, um laptop, o celular, um tablet e a televisão ligada. Compenetrada, os olhos se dividem entre ver os personagens da novela e montar frases no documento do computador. Os enredos inspiram a novela que a jovem está escrevendo, e que constitui seu terceiro livro. A empolgação adentra o final de semana, mas é questionada pela mãe, a arquiteta Stella Lutterbach Leão, que a pede para descansar.

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O sonho de alfabetização também era da mãe, que ouviu sete nãos de escolas regulares antes de poder matricular a filha. Paralelamente, aos oito anos, Maria Cristina começou a ter aulas particulares com Maria Francisca Mendes, a Francis. Em um ano ela quebrou a barreira que havia na época, de que pessoas com síndrome de down não poderiam aprender a ler e escrever. Além de se alfabetizar, escolheu ser escritora, deslumbrando Stella.

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Na escrivaninha, Maria Cristina guarda “Carta de Amor”, seu primeiro livro publicado em 2006, e o último exemplar da segunda obra, lançada em 2013. “Siwa e meus companheiros” simboliza duas paixões: a escrita e os animais. Esta segunda paixão também se configura em outro trabalho. De segunda a sexta, ela veste um uniforme claro, com um lenço estampado, para atender clientes de uma pet shop. A princesa não encanta apenas os bichos, que chegam e vão imediatamente aos seus pés para receber carinho. Os funcionários da empresa a recebem com um sorriso de orelha e a orelha e ganham um beijo na bochecha, bem estalado, como retribuição.

O tempo dos finais de semana é dividido com o namorado Gustavo de Aratanha e o pai, o fotógrafo e empresário Príncipe Dom João Henrique de Orleans e Bragança, que mora em Paraty. Desde 2009, quando os pais se separaram, Maria Cristina ganhou mais pessoas na família e mais motivos para viajar. Hoje, diz orgulhosa que tem dois pais e duas mães. Além dos que a geraram, tem o padrasto José Portinari Leão e a madrasta Claudia Melli. A princesa parece ter um coração bem grande, do tamanho do coração de… uma princesa. Nele, todos acabam entrando, mesmo quem ela vê por apenas dois minutos. A afeição é imediata. A memória, tão grande quanto o coração.

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A vida nunca foi “especial” para a princesinha

Hoje, Maria Cristina tem uma vida comum. Independente, organiza seus compromissos diários e planeja os passeios com as amigas e com o namorado. A mãe diz que ela é pioneira: está sempre à frente, quebrando barreiras. Mas, em relação à inclusão, a realidade atual é completamente diferente daquela de 25 anos atrás, quando nasceu. Não haviam muitas discussões porque as informações sobre síndrome de down eram quase nulas no Brasil. Stella foi uma das primeiras a fazer a frente de um movimento que surgiu no Rio de Janeiro e que ganhou o nome de Sim Down, uma associação dos pais de crianças com um cromossomo extra no par 21. O fato de ela ser descendente da realeza ajudou na divulgação do assunto.

“A nossa sociedade sonha com a perfeição e não existe perfeição. Nós aprendemos com ela que a diversidade é uma parte importantíssima na vida do ser humano” afirma o pai Dom João. A mãe conta que o nascimento de Maria Cristina não alterou a rotina da família. “A gente não viveu em função dela. Eu acho que não era uma coisa que deveria ter um peso de mudar a vida dos outros. A gente fez a vida normal”, explica Stella.

Nos primeiros anos da vida da filha, ela também assumiu a direção de relações públicas da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, com sede em Brasília e reconhecida pelo Ministério da Educação. A mãe também fez viagens aos Estados Unidos para obter mais informações e repassar aos brasileiros.

Uma das principais dificuldades foram os erros médicos. Apesar de levar a filha a cada seis meses no oftamologista, o médico não diagnosticava a miopia, três graus em um olho e quatro em outro. Stella estranhava a falta de interesse de Maria Cristina em atividades lúdicas. Somente aos 7 anos, com óculos, a princesinha entrou no universo da escrita e dos símbolos. As letras estão em todas as partes do quarto amplo da jovem. Na primeira gaveta da mesa de cabeceira, ela guarda um diário. Na segunda gaveta, livros e revistas.

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O mundo parece pequeno para todas as vontades de Maria Cristina. Ela mal começou a escrever o terceiro livro, mas as inúmeras vontades não param de saltitar em sua mente. A princesa sonha em ser diretora: quer tirar o enredo do papel e levar para a televisão. A história de Maria Cristina, tal como a de uma princesa, está longe do fim, mas, se o presente já é feliz, o futuro tende a ser mais ainda.

*Essa reportagem foi realizada para o Curso Abril de Jornalismo 2015, num projeto dos alunos chamado Elástica

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