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Tribunal de Contas do Município paga 20.000 reais em salários, em média

Responsável por zelar pelas finanças públicas, o TCM tem orçamento maior que secretaria do Verde e quase três vezes a manutenção dos 106 parques da cidade

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 15 fev 2019, 11h01 - Publicado em 15 fev 2019, 06h00

Encarregado de fiscalizar a prefeitura e a Câmara dos Vereadores, o Tribunal de Contas do Município (TCM) ganhou visibilidade na capital nos últimos tempos. No ano passado, o órgão de controle barrou 77 licitações da administração municipal — um aumento de 20% em comparação a 2017 e de quase 40% em comparação a 2015. Isso significa que uma concorrência pública foi suspensa a cada cinco dias na metrópole em 2018. Nesse período, mais de 1,5 bilhão de reais ficaram retidos nos cofres públicos à espera de uma liberação que pode durar meses.

Ônibus integrados à frota da prefeitura de São Paulo em 2011 (Divulgação/Divulgação)

As interrupções mais emblemáticas foram da renovação da frota de ônibus (agora liberada), da parceria público-privada (PPP) da iluminação (que aguarda decisão da Justiça) e da contratação de serviços de manutenção de vias e logradouros. Essa última, ocorrida em novembro e ainda em vigor, deixou a cidade sem reparos em calçadas, bocas de lobo e sarjetas.

Mesmo em casos de liberação, as condições impostas pelo TCM amarram os passos seguintes das licitações. Há duas semanas, ao permitir a abertura dos envelopes para a concessão do Estádio Pacaembu, o órgão deixou claro que a medida foi exceção. A principal divergência nesse caso, parado desde agosto, reside em um ponto do edital que permite a consórcios sem experiência em gestão de estádios assumir a empreitada. O tribunal não concorda com a condição, aceitou o prosseguimento do processo após um pedido do prefeito Bruno Covas, mas deve barrá- lo de novo caso a prefeitura não mude de posição. Apesar do esforço, o certame foi paralisado pela Justiça no dia seguinte.

Estádio Pacaembu: concessão nas mãos dos conselheiros (RAFAEL NEDDERMEYER/FOTOS PÚBLICAS/Divulgação)

Os cinco conselheiros do TCM são indicados pelo Executivo (duas vagas) e Legislativo (três vagas). Com orçamento anual de 290 milhões de reais, o órgão, inaugurado durante a ditadura militar, em 1968, custa mais aos cofres públicos do que secretarias e empresas públicas importantes. A pasta de Esportes, por exemplo, possui verba anual de 238 milhões de reais. A Secretaria do Verde e Meio Ambiente (223 milhões) e o Serviço Funerário (153 milhões) também saem mais barato para o Erário do que o tribunal. A manutenção dos 106 parques municipais recebe 100 milhões, quase um terço do Tribunal. A verba do órgão equivale a 61% do que a prefeitura gasta com a pasta da Habitação (471 milhões).

Viaduto General Olímpio da Silveira: em mal estado, o viaduto está sob disputa do órgão (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Quem tem o dever de zelar pela correção dos gastos da prefeitura não parece muito austero ao gerir os próprios. Da verba do TCM, 83% vão para o pagamento de salários (243 milhões de reais) de seus 726 funcionários, dos quais 174 de livre nomeação. Ali, ninguém ganha menos que 5 100 reais. A média salarial é de mais de 20 000 reais. Há ainda 26 servidores que não completaram o ensino médio, contratados antes da Constituição de 1988 e com estabilidade de emprego até a aposentadoria, que recebem entre 12 000 e 24 000 reais por mês. Entre esses casos há pelo menos um jardineiro e um motorista. A direção promete extinguir os cargos à medida que os profissionais se aposentem.

A sede do TCM, na Vila Clementino: 726 funcionários (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A contratação de servidores sempre foi um tema polêmico no Tribunal de Contas. Atualmente, duas filhas de dois ex-conselheiros são empregadas da Casa. Alessandra Sales, filha de Eurípedes Sales (aposentado desde 2013), e Sandra Caruso, filha de Antonio Carlos Caruso (fora desde 2011), dão expediente ali e ganham, cada uma, mais de 20 000 reais por mês (os salários não são divulgados). Há outros casos de indicações, como Michele Miguel, esposa do ex-vereador Aurélio Miguel, e Maria Esther Dias Toffoli, irmã do presidente do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Dias Toffoli. “A Sandra trabalha comigo e é uma excelente profissional. Já a Maria Esther chegou aqui antes de o irmão virar ministro”, justifica o presidente João Antonio. Há ainda gastos extravagantes e até inusitados. Em janeiro, a Casa desembolsou 822 reais para instalar seis pontos de TV a cabo do pacote Corp HD Telecine, da operadora NET, que inclui canais de filmes. Além disso, encomendou artigos de cama, mesa e banho, como toalhas, travesseiros, lençóis, fronhas e cobertores — mais adequados a uma pousada do que a um tribunal de contas —, por valores próximos a 7 000 reais.

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Ciclovia na Avenida Faria Lima: a gestão está sob o TCM (Leo Martins/Veja SP)

Outro ponto obscuro do tribunal é a grande quantidade de processos prestes a ir a julgamento, mas parados após pedidos de vistas. São 113, dos quais 51 aguardam votação há um ano. Entre dois e três anos, há 35 casos, o que equivale a 30% do total. Atualmente existem doze tramitações paralisadas há mais de quatro anos. Um dos processos, de 2014, trata da manutenção do Viaduto Beneficência Portuguesa, sobre a Avenida 23 de Maio. Sem ir adiante, a licitação parou e agora a estrutura vai ser reformada sob um contrato de emergência, junto com outras passagens. O conselheiro que mais “segura processos” é Edson Simões, com 64. “Vistas significam dúvidas, e o número, em um universo de milhares de processos, é pouco”, afirmou, em nota. O presidente João Antonio vem em segundo lugar nesse ranking, com 26 casos.

A atuação do TCM tem chamado a atenção de especialistas em administração pública. “Acredito que falta mais colaboração entre o órgão e o Poder Executivo”, afirma o cientista político Marco Antonio Teixeira, da Fundação Getulio Vargas. “Mas acho que o Tribunal tem cumprido o seu papel; não acredito que tenham ocorrido abusos”, completa. O aumento significativo do número de auditorias, relatórios e suspensões começou na gestão Fernando Haddad (2013-2016). Em 2014, por exemplo, ocorreram 82 acompanhamentos de editais, mais que o dobro do registrado em 2010, quando o cargo ainda era ocupado por Gilberto Kassab (2006-2012). O crescimento provocou críticas do petista. Em 2015, após o cancelamento de sorteio para alvarás de táxis, Haddad reclamou do conselheiro Edson Simões, um dos cinco responsáveis pelas análises das contas paulistanas.

Merenda escolar Municipal é um dos pontos-alvo do órgão (SERGIO CASTRO/Estadão Conteúdo)

Durante a passagem de João Doria (2017-2018) pelo Edifício Matarazzo, as rusgas e faíscas extrapolaram os dois órgãos e chegaram à Câmara Municipal. Após sucessivos questionamentos do TCM em processos de modernização de semáforos e pontes, além do serviço de varrição, entre tantos outros, o tucano chegou a dizer que o tribunal exagerava nas suas funções. Na época, o então presidente do Legislativo, Milton Leite (DEM), foi categórico: “Ou o TCM muda ou será extinto”. Atualmente existe um projeto de Lei, de autoria do vereador Fernando Holiday (DEM), que trata da extinção do colegiado de contas, mas o texto está parado na Comissão de Constituição e Justiça. “Agora que o Eduardo Tuma assumiu, vai ficar mais difícil andar com esse projeto”, afirma Holiday, referindo-se ao fato de que Renato Tuma, pai do novo presidente da Casa e morto recentemente, era funcionário do órgão. Procurado, Eduardo não quis conceder entrevista.

João Antonio, 58, atual presidente do TCM (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Esta não é a primeira vez que o TCM entra na mira da Câmara. Em 2001, uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) aberta após as denúncias de nepotismo e extravagância de gastos (foram comprados vinhos, CDs de música sertaneja e até camisetas de times de futebol com dinheiro público) pediu a extinção do colegiado. O caso nunca foi para a frente. “O Tribunal de Contas do Município não pode ser objeto de análise de extinção por iniciativas de vereadores”, afirma o presidente do órgão, João Antonio da Silva Filho, ex-vereador do PT. “Isso é matéria constitucional” (confira a entrevista abaixo). No ano passado, Silva Filho foi acusado de receber 30 milhões de reais de propina de uma empresa que participaria de uma licitação de serviços de varrição. Ele sempre negou as acusações. O caso segue em investigação no Ministério Público.

Cemitério da Consolação também é de responsabilidade do Tribunal de Contas do Município (Leo Martins/Veja SP)

O TCM diz que o aumento no número de licitações suspensas é uma consequência do crescimento na quantidade de auditores — em 2015, chegaram 77 novos profissionais, que se juntaram aos 129 existentes. Com mais técnicos, o órgão ampliou o número de contratos analisados. Outro motivo alegado é que novas tecnologias foram incorporadas às auditorias a partir de 2015, oriundas de parcerias como as firmadas com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas e com o Instituto de Tecnologia de Alimentos. Segundo a direção do TCM, um investimento de 90 000 reais ajudou a auditar gastos da prefeitura da ordem de 1 bilhão de reais.

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Um desses exemplos envolve as análises da merenda servida nas escolas municipais, que passaram a ter parâmetros e medições inéditos. Outro diz respeito à construção da ciclovia da Avenida Brigadeiro Faria Lima, na Zona Oeste. Orçada em 64 milhões de reais há quatro anos, a obra, com 18 quilômetros de extensão, saiu por 39 milhões de reais, um valor 39% menor. No local, foram realizados testes e vistorias em materiais e equipamentos. O modelo do contrato, sem licitação, com base em uma ata de registro de preço, também foi contestado. Os laudos embasaram uma ação civil, movida pelo Ministério Público contra o ex-prefeito Fernando Haddad e os secretários envolvidos na licitação. O caso está na Justiça e não há prazo para a sentença. Procurado, o petista não se pronunciou.

Viela que leva à praça Garcia Redondo, na região do Pacaembu: falta iluminação (Lucas Lima/Divulgação)

Uma das principais reclamações de quem passou ou precisa passar pelo crivo do TCM é a falta de conhecimento de gestão dos auditores, responsáveis pelos questionamentos técnicos dos pareceres que embasam o voto do conselheiro. “É tanta exigência absurda dos auditores que eles querem interferir até no número de lotes de uma licitação de varrição”, afirma um ex-secretário municipal que pediu para não ser identificado. Ele se refere aos contratos orçados em 80 milhões de reais por mês e que chegaram a ser suspensos pelo tribunal.

Apesar de conselheiros e auditores afastarem a possibilidade de viés político nas tomadas de decisão, o fato é que a relação do tribunal com a prefeitura ficou mais suave após Bruno Covas assumir o comando. Quando o viaduto da Marginal Pinheiros ruiu, em novembro do ano passado, ocasionando sérios problemas à cidade, Covas sentou-se com os conselheiros para propor a contratação emergencial de vistorias em outras 185 estruturas. Apesar de ser prerrogativa do prefeito firmar esse tipo de contrato, uma composição entre as forças pode evitar novos desgastes e interrupções futuras. “Ele não precisava consultar o tribunal, foi uma deferência especial”, diz um conselheiro que pediu para não ser identificado. “Não tenho conhecimento de outro prefeito que tenha feito uma consulta dessas.” Escalado da vez para fazer a mediação entre os conselheiros e os auditores, o secretário municipal de Governo, Mauro Ricardo, tem experiências anteriores com outros órgãos de contas. Em pouco mais de trinta dias no cargo, ele visitou a sede do TCM, na Vila Clementino, em oito ocasiões. “Os atrasos levam prejuízos à cidade e é necessário que a gente atue para esclarecer os pontos duvidosos”, explica Ricardo.

Castro, após período na Europa: novos modelos para o TCM (Alexandre Battibugli)

No Brasil, apenas São Paulo e Rio de Janeiro possuem tribunais de contas municipais. Os estados de Goiás, Pará e Bahia dispõem de uma corte específica para cada município, além da estadual. O Ceará, que também contava com um tribunal para o estado e outro para as demais cidades, optou, em 2017, pela unificação das cortes de contas. Órgãos como esses também existem em outras cidades, como Viena (na Áustria) e Toronto (no Canadá). Na Alemanha, por exemplo, em cidades como Hamburgo e Bremen, há cortes de análises, com sete conselheiros em cada uma.

Em Oxford, na Inglaterra, as contas são auditadas por uma empresa privada. A experiência de outros tribunais está sendo estudada na capital paulista. Auditor de carreira há onze anos, o economista Leonardo Castro ficou um ano na Alemanha, passou por Portugal e agora atua em um projeto experimental no TCM. A ideia é ampliar o foco e o escopo das análises técnicas, o que ele chama de auditoria de resultados. Modelos de compra e de obras em escolas, por exemplo, podem ser mais bem estudados. “O poder público trabalha da mesma forma há anos e ninguém se preocupa se é a melhor opção.”

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“AGORA É CADA UM NA SUA”

Mestre em filosofia do direito pela PUC-SP, João Antonio, 58, foi vereador e deputado estadual antes de ser indicado por Fernando Haddad, em 2014, e assumir a presidência do TCM, em 2018

João Doria reclamou do excesso de rigor do tribunal. Ele tem razão?

As reclamações do Haddad e do Doria foram as mesmas. Isso mostra nosso interesse público. É bom que os técnicos sejam técnicos, não políticos.

Os projetos de Doria, que traziam modelos como o de concessão para serem aprovados rapidamente, foram um desafio?

O que se faz na iniciativa privada não se repete na pública. Não dá para implementar o mesmo ritmo nos dois setores.

Mas 77 licitações suspensas em um ano não é muito?

O tempo se alonga porque a administração pede mais prazo para responder aos questionamentos. Sem o contraditório, o TCM não tem como liberar.

Correntes da prefeitura reclamam de interferências indevidas em processos preparatórios, como nos procedimentos de manifestação de interesse (PMI) do Anhembi.

Tudo o que envolve dinheiro público deve ser analisado pelo tribunal. No caso do Anhembi, a prefeitura pretendia gastar 11 milhões de reais nas análises preliminares. Depois da nossa atuação, houve uma economia de 9 milhões de reais.

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Por que o TCM não divulga a relação de cargos e salários?

Trata-se de um problema jurídico que precisamos equalizar. Muitos funcionários temem pela segurança, e não farei nada impositivo. Mas o importante é que não temos mais auxílio-moradia após decisão do Supremo (dois conselheiros, Roberto Braguim e Maurício Faria, recebiam o benefício).

Os ânimos estão mais calmos entre o TCM e a prefeitura?

O filósofo francês Montesquieu falava da importância dos freios e contrapesos. A relação com o atual prefeito é excelente. Cada um na sua competência.

 

Contas do tribunal

Alguns números do órgão, criado há mais de cinquenta anos

726 funcionários trabalham no TCM

243 milhões de reais são destinados ao pagamento dos servidores

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77 licitações foram suspensas em 2018 — um aumento de 20% em comparação com o ano anterior

113 processos aguardam votação. Deles, 10% estão parados há mais de quatro anos

 

Os outros quatro conselheiros

(Divulgação/Divulgação)

DOMINGOS DISSEI, 66

Engenheiro civil e ex-vereador, foi subprefeito do Ipiranga de 1993 a 1995, na gestão de Paulo Maluf, e secretário municipal de 1998 a 1999, na de Celso Pitta. Foi indicado ao TCM em 2012 pelo ex-prefeito Gilberto Kassab.

 

 

(Divulgação/Divulgação)

EDSON SIMÕES, 70

Geógrafo e professor licenciado da Escola de Educação da USP. Chegou ao tribunal em 1998 por indicação da Câmara Municipal (era suplente de vereador na época pelo antigo PPB). Presidiu o colegiado por seis vezes.

 

 

(Divulgação/Divulgação)

MAURÍCIO FARIA, 70

Vereador pelo PT por dois mandatos, presidiu a Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) em 2001 e atuou também na prefeitura de Santo André entre 1997 e 2000. Foi indicado em 2002 pela ex-prefeita Marta Suplicy.

 

 

(Divulgação/Divulgação)

ROBERTO BRAGUIM, 56

Bacharel em direito pela PUC. Entrou no Tribunal de Contas em 1987 para o cargo de assessor jurídico. Entre 1993 e 1998, atuou como chefe de gabinete dos ex-prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta. Virou conselheiro em 1998.

 

 

Quanto custa?

O orçamento anual do TCM e os valores gastos por grandes empresas com auditorias por ano (entre parênteses, o orçamento total da prefeitura e o faturamento das companhias)

TCM: 290 milhões de reais (60 bilhões de reais)

Ambev: 7,8 milhões de reais (12 bilhões de reais)

Vivo: 7,4 milhões de reais (40 bilhões de reais)

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 20 de fevereiro de 2019, edição nº 2622.

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