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“Tenho o amor do meu filho, da minha ex, dos meus pais e do Pedro”

Kaka de Lyma teve o primeiro encontro com seu marido onde já havia conhecido sua esposa e conta a reação do parceiro ao vê-lo montado como transformista

Por Kaka de Lyma, 57 anos, em depoimento a Fernanda Campos Almeida
Atualizado em 27 Maio 2024, 17h51 - Publicado em 17 jul 2020, 06h00
Pedro Abílio Galvão e Kaka de Lyma no apartamento no Tucuruvi, onde moram hoje  (Leo Martins/Veja SP)
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“Há 28 anos, uma amiga me apresentou o Pedro em uma festa de aniversário. Ele sabia que eu era artista, cantava, mas não que me apresentava como transformista na noite paulistana. Na mesma festa, o convidei para ver meu show no dia seguinte. Quando ele chegou, foi até meu camarim. Abriu a porta, eu estava de costas. Assim que me virei, a cara dele se transformou. Imagina: estava de peruca, saia de onça, bota preta na altura do joelho. Pensei naquele momento que o tinha perdido, como já aconteceu antes com outros garotos. Mas com ele foi diferente.

Reservei uma mesa especial para ele assistir à minha performance. Depois, me desmontei, tirei a maquiagem e voltamos à vida normal. Pedro sempre me viu nos dois mundos e, desde o começo, soube diferenciar. Quando começamos a namorar, alguns amigos dele — que hoje são meus também — perguntaram: ‘Pedro, mas você vai namorar um travesti?’. Ele explicou que eu era apenas um artista que se monta de mulher. É o meu trabalho, que ele respeita e apoia. Mesmo odiando Carnaval, por exemplo, ele ajuda a me arrumar.

Quatro anos antes, na mesma boate a que levei Pedro, conheci minha ex-mulher, a Sonia. Na época, aos 26 anos, nunca tinha tido relação com mulheres. Mas começou a rolar uma música lenta e pintou um clima. Depois de três meses, fomos morar juntos. Mais dois anos e mudamos para Porto Seguro, na Bahia. Eu trabalhava na recepção de um hotel, era uma rotina burocrática de gravata e paletó, para a qual eu simplesmente não fui feito. Lá era cheio de mato, acordava com as galinhas.

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Nosso Louco Amor
No início do relacionamento, em 1992: afeto quebrou as barreiras do preconceito (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Nasci no Ceará, mas moro em São Paulo desde 1981. Sou bicho de cidade, preciso de barulho e de gente, não aguentei. Nunca tinha pensado em ser pai, mas a Sonia ficou grávida e eu abracei a oportunidade. A gestação foi considerada de risco. Só tinha uma médica na cidade, não havia infraestrutura. Não arriscaríamos, então voltamos para São Paulo. Depois de dois anos do nascimento de Tainan, nos separamos. Ela queria aquela vida ‘paz e amor’ e eu não ia voltar de jeito nenhum. Tanto a união quanto a separação aconteceram naturalmente e sempre mantivemos contato. Hoje ela gosta demais do Pedro, são até amigos!

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Minha mãe teve a pior reação à minha história de amor. Quando comecei a namorar o Pedro, perguntavam-me o que estava fazendo, já que antes gostava de mulher. E desde quando a gente manda no coração? Ser gay é bacana até acontecer no seu quintal. Quando assumi para a minha família foi um grande choque, queriam me levar ao psicólogo, falavam que eu era doente e tinha de me curar. Era a vergonha da família. Perguntaram até o que iria dizer para meu filho quando crescesse.

Tainan é músico, toca na banda Monocelha, e eu já participei todo montado em seus clipes. Quando tinha apenas 9 anos, ele descobriu meu relacionamento por meio de uma entrevista sobre pais gays. Quando voltei para casa, ele me chamou para conversar e disse: ‘Pai, li a matéria, sei que você é gay e gosto de você mesmo assim’. Hoje, com 31 anos, ele diz que nunca viu o ‘tio Pedrinho’ me dar um beijo. É porque Pedro e eu somos reservados. Tainan me deu uma luz chamada Bento, meu netinho de 1 ano, e faz questão de chamar o Pedro de avô também.

Pedro cuida tão bem de mim. Morar juntos é uma delícia. Tem talento na cozinha, engordo por culpa dele. Somos parceiros, cúmplices. Ele é tímido, eu falo demais. Gosto de sair para dançar, mas ele não tem paciência para o bate-estaca. Daí ele se propõe a me deixar na porta da boate. Isso me traz segurança e é assim que tem de ser, né? Amamos viajar e tomar uma cervejinha. Um dia alugamos um quarto de hotel à beira- mar em Fortaleza e fomos à praia com duas amigas. Vimos um cara vendendo ostras e decidimos comer. Só comi duas e o vendedor, que estava cortando a concha, disse para uma das meninas: ‘Seu marido não gosta muito de ostra?’. Ela respondeu: ‘Ele não é meu marido. É marido do Pedro. Ela que é minha mulher’. O homem se assustou e acabou fazendo um corte no próprio dedo. Não desejo para ninguém enfrentar o preconceito que enfrentamos. Eu me amo como sou. No fim de tudo, não perdi o amor do meu filho e dos meus pais, nem a amizade da Sonia. Ainda ganhei uma família, que é a do Pedro.”

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 22 de julho de 2020, edição nº 2696. 

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