Sonho de Zé Celso, Parque do Bixiga teve lei barrada por gestão Nunes
Dramaturgo morreu nesta quinta-feira (6) sem ver terreno vizinho ao Teatro Oficina Uzyna Uzona transformado; amigos dizem que vão encampar luta
Dos 86 anos vividos por José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, morto nesta quinta-feira (6) em São Paulo, em mais de 40 ele lutou para que um terreno de cerca de 11 000 metros quadrados localizado ao lado do Teatro Oficina Uzyna Uzona, no Bixiga, no centro da capital, fosse transformado em um parque. A área pertencente ao Grupo Silvio Santos foi citada em espetáculos que o encenador produziu, entrevistas, em performances e a todo e qualquer momento em que poderia falar a respeito, nas mais variadas formas de expressão que Zé Celso conseguia, a fim de reivindicar a importância da integração da área ao magnífico projeto do edifício do teatro, assinado por Lina Bo Bardi.
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No dia 12 de fevereiro de 2020, a luta de Zé Celso e sua trupe parecia ter enfim surtido efeito. Um projeto de lei protocolado em 2017 e de autoria dos então vereadores Gilberto Natalini e Sâmia Bonfim foi aprovado em segunda votação na Câmara de Vereadores. A festa foi grande, bem ao estilo dionisíaco de Zé Celso. Porém, um mês depois, coube ao então presidente da Câmara, Eduardo Tuma, que à época exercia o cargo de prefeito em exercício pela ausência de Ricardo Nunes (MDB), despejar um balde de água fria. Ele vetou o projeto alegando que ele não reunia condições de virar lei por invadir a competência do Executivo. “A área delimitada na propositura é composta por terrenos particulares, fazendo-se necessária, para a implantação do parque, a sua desapropriação. Ora, a declaração de utilidade pública de bens particulares, para fins de desapropriação judicial ou de aquisição mediante acordo, configura ato típico de gestão administrativa, inserido com exclusividade na órbita do Poder Executivo”, foi o enunciado do veto ao projeto, segundo consta em publicação do “Diário Oficial da Cidade” do dia 14 de fevereiro de 2020, assinado por Tuma. As justificativas de Tuma podem ser lidas neste link, que traz a íntegra do documento oficial.
Outro argumento enumerado por Tuma, hoje presidente do TCM (Tribunal de Contas do Município), elencava ainda que o terreno não era uma das áreas prioritárias elencadas pelo PDE (Plano Diretor Estratégico) para virar parque e que o local não reunia vegetação significativa remanescente da Mata Atlântica que justificasse a sua desapropriação. Natalini disse que a decisão era absurda e usava dois pesos e duas medidas, já que a poucos metros dali uma lei semelhante permitiu a criação do Parque Augusta. Zé Celso então…ficou possesso. Entretanto, a grita não surtiu efeito.
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Antes disso, o Grupo Silvio Santos conseguiu liberações dos órgãos de patrimônio para erguer os seus projetos. Inicialmente a ideia era construir um shopping, e, posteriormente, torres de cerca de 100 metros de altura que, se efetivadas, fariam o Teatro Oficina Uzyna Uzona receber sol durante apenas duas horas por dia.
A batalha do dramaturgo contra o apresentador ganhou adeptos para lá de improváveis. Um deles foi o ex-prefeito João Doria, que chegou a intermediar uma conversa entre os dois em 2017. O encontro foi no escritório de Silvio, em uma das várias conversas entre os dois que nunca surtiram efeito prático.
Dois anos após a gestão Nunes barrar o projeto de lei de criação do Parque do Bixiga, um novo projeto foi apresentado. Assinado pelo ex-vereador e atual deputado estadual Eduardo Suplicy (PT), ele propunha a criação do Parque Municipal do Rio Bixiga. “Hoje o mundo enfrenta um grande problema climático e a única forma de transformar isso é plantando árvores”, disse Zé Celso durante uma audiência pública para debater o assunto. Curiosamente, na mesma audiência, a secretária-adjunta de Cultura da Prefeitura –da mesma gestão Nunes que barrara o projeto anterior– disse que o Executivo era entusiasta do tema. “A criação desse parque representa sustentabilidade e qualidade de vida”, disse à época. O vídeo da audiência pública realizada em maio de 2022 pode ser conferida na íntegra neste link.
O projeto não avançou e sequer foi colocado em discussão. Anteontem Suplicy postou um vídeo em suas redes sociais pedindo para que a discussão seja retomada.
Dois pesos
Seja lá o nome que vier a ter, o parque dos sonhos de Zé Celso oficialmente não está nos planos da gestão Nunes. Ele não está no Plano de Metas do emedebista, nem foi incluído no Plano Diretor. Curiosamente, por uma manobra revelada pelo jornal “Folha de S.Paulo” no dia 3 de julho e orquestrada pelo vereador Milton Leite (União Brasil), atual presidente da Câmara e aliado de primeira hora de Nunes, um parque no Jockey Clube foi incluído na lista de áreas prioritárias inseridas ao projeto de revisão do Plano Diretor, mesmo não tendo nada remanescente de Mata Atlântica. Nem os cavalos que pastam lá.
Desde 1941 o terreno de 600 000 metros quadrados é um hipódromo. Pelo texto aprovado, ele está na lista dos 186 parques públicos para a capital. Se aprovado da forma como está, a medida abre espaço para que Nunes declare o imóvel de utilidade pública. O mais curioso é que ninguém sabia que o Jockey poderia se tornar um parque. O motivo é que Leite não colocou esse nome, mas sim o batizou por conta própria de Parque João Carlos di Genio, para homenagear o empresário do ramo de educação morto em 2022 que era chegado a um turfe.
O parque e a luta continua
O parque é um terreno de exatos 10 8000 metros quadrados, mais ou menos a dimensão de um campo de futebol que fica ao lado do Teatro Oficina Uzyna Uzona. A área fica entre as ruas Abolição, Jaceguai, Santo Amaro, Bixiga e Japurá.
Um esboço do projeto chegou a ser desenhado por um time de arquitetos, alguns deles ligados à Escola da Cidade. Tânia Parma, Marcelo X, Bruno Rissardo, Cavalheiro Gallmeister, Luiz Felipe Orlando, Carila Matzenbacher e Marília de Oliveira Newton Massafumi. Gallmeister, Carila e Marcelo X já integraram o Oficina.
O estudo leva em conta a proposta de Teatro de Estádio de Lina Bo Bardi. A versão integra uma arena ao ar livre, passarelas e permitem acomodação da água do córrego que passa abaixo do nível do solo. Em meio a água a proposta era colocar um palco, que ficaria submerso nas cheias.
Pelas redes sociais, vários artistas declararam que vão encampar a luta de Zé Celso para que o terreno se transforme em parque. Uma delas foi a atriz e diretora Helena Ignez. “Lutaremos pelo Parque do Bixiga, seu sonho”, escreveu.