Gestão Tarcísio quer despejar atleta de alojamento do Ginásio do Ibirapuera

Ana Luiza dos Anjos Garcez, 60, a “Animal” diz ter permissão para morar no local há 25 anos

Por Clayton Freitas
Atualizado em 11 jul 2023, 12h54 - Publicado em 11 jul 2023, 12h31
Atleta foi a primeira brasileira a vender o Gay Games de Paris, em 2018
Atleta foi a primeira brasileira a vender o Gay Games de Paris, em 2018 (Arquivo Pessoal/Reprodução)
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Uma das figuras mais conhecidas e queridas por atletas amadores que disputam corridas de rua na cidade de São Paulo, Ana Luiza dos Anjos Garcez, 60, famosa pelo apelido de Animal, foi intimida pela gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) a deixar o alojamento do Ginásio do Ibirapuera, onde mora há 25 anos, até o dia 31 de julho próximo. “Pode chamar a polícia, mas eu não vou sair”, disse a atleta à Vejinha.

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Ex-moradora de rua, com passagens pela Cracolândia, Ana Garcez diz que não tem para onde ir e teme voltar ao vício e às ruas. Além disso, ela diz possuir autorização para permanecer no local, no Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães. Procurada para comentar o assunto, a Secretaria de Esportes do Estado de São Paulo, comandada pela coronel da PM Helena dos Santos Reis, informou em nota que a ocupação do espaço é feita de forma irregular e que ofereceu alternativas de acolhimento à atleta e a um outro homem que também ocupa o alojamento e que não teve o seu nome revelado.

À esquerda, com as cinco medalhas de ouro do Campeonato Estadual Master de 2022; à direita, com homenagem ao time do Chapecoense
À esquerda, com as cinco medalhas de ouro do Campeonato Estadual Master de 2022; à direita, com homenagem ao time do Chapecoense (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Inicialmente, no sábado (8) a pasta informou que a saída da atleta atendia a uma notificação feita pelo Gecap (Grupo Especial de Combate a Crimes Ambientais e Parcelamento do Solo Urbano) do Ministério Público Estadual. Procurada nesta segunda-feira (10), a promotora Vitória Chammas Varela Alves informou ter recebido uma denúncia (notícia de fato) a respeito da ocupação irregular de áreas do Ginásio do Ibirapuera. Segundo diz, ela solicitou informações à Secretaria de Esportes sobre a natureza da ocupação e verificação de eventuais danos, porém, não notificou pela saída. “Não há qualquer determinação de saída da atleta Ana Luiza dos Anjos Garcez do alojamento do Ginásio do Ibirapuera, cujo nome sequer é mencionado na solicitação enviada”, informa nota da promotora.

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Procurada novamente nesta segunda-feira, a Secretaria de Esportes voltou atrás e informou que a notificação para a saída foi uma decisão do governo Tarcísio, e não da Promotoria. Tal notificação foi feita na última sexta-feira (7) pela pasta, “tendo em vista a irregularidade dos dois casos em razão de concessões ilegais de gestões passadas”, segundo enunciado de trecho da nota. A pasta informou ainda que buscou alternativa de moradia aos dois e também acionou o Núcleo de Proteção Jurídico Social e Apoio Psicológico da Vila Mariana e ainda o Centro de Referência Especializado em Assistência Social. “Todas as tratativas para saída amigável e acolhimento foram rejeitadas”, diz a nota.

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Das ruas aos pódios

A história de superação de Ana Garcez é bem conhecida junto aos adeptos de corridas de rua da cidade de São Paulo. E também seus feitos. Trata-se de uma das maiores campeãs masters (acima de 40 anos) que São Paulo já viu. Isso mesmo tendo começado a correr aos 36 anos. Segundo Ana Garcez conta, ela foi abandonada na rua ainda quando era um bebê em uma caixa de sapatos. Ela sempre diz que cresceu na Febem, porém, os registros de seu nome nunca foram localizados em pesquisas feitas junto ao órgão, atualmente denominado Fundação Casa. Segundo levantamento do jornalista Chico Felitti em 2018 e publicado em uma reportagem para o BuzzFeed, a maratonista, na verdade, ficou até os 16 anos na Creche Baroneza de Limeira.

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À época o texto dava conta também de que ela poderia ser obrigada a sair do alojamento devido à tentativa (frustrada) de privatização do complexo pelo ex-governador João Doria, à época do PSDB e hoje sem partido. Esta não foi a primeira vez que Ana Garcez foi ameaçada de sair do local, segundo a própria atleta reconhece. Porém, ela teme que a ordem atual seja a derradeira.

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Ao sair da creche ela conseguiu um emprego numa casa de uma família. Além de cozinhar, ela limpava o local, lavava e passava as roupas em troca de poder morar no local e se alimentar. Segundo ela mesma já relatou em entrevistas, não achava justo o que ganhava em relação à quantidade de trabalho e seis meses depois saiu. Antes, porém, pegou uma mala e roubou tudo o que conseguiu colocar nela, distribuindo os itens para pessoas em situação de rua na Praça da República.

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Ela ficou nas ruas por quase 20 anos. No período, virou uma espécie de líder de uma gangue de meninos que praticavam assaltos. O seu apelido à época era “Tia Punk”. Ela diz que o gosto pela corrida veio quando estava na rua 7 de Abril e, enquanto cheirava cola, viu cenas do filme “Carruagens de Fogo” em uma TV.  Uma delas lhe chamou a atenção. Era a de atletas correndo na praia. Aquilo não lhe saiu da cabeça e, anos depois, ela viu o anúncio de uma corrida na cidade de São Paulo e quis participar, mesmo sem treino ou roupas adequadas. Ana ordenou que os meninos roubassem roupas e acessórios e, mesmo sem inscrição ou preparo, ela calçou os tênis (que ficaram apertados em seus pés, segundo relatos) e participou da prova, no caso, uma edição da maratona de São Paulo (42km). Como não conseguia correr todo o percurso, ela cortou caminho e diz que até cheirou cola para terminar. Concluiu a prova em mais de seis horas com dores que, segundo diz, duraram uma semana para passar. O nome Animal, pelo qual ela é conhecida até hoje, foi o apelido que ganhou nas ruas e que ela mantém até hoje. Segundo diz, “impõe respeito”.

Atleta Ana Garcez, a Ana Animal durante treino no Ibirapuera
Atleta Ana Garcez, a Ana Animal durante treino no Ibirapuera (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Em 2021, em uma entrevista à revista Runners World, Ana Garcez disse que apareceu em reportagens sobre pessoas em situação de rua. Uma delas foi no programa do Gugu, no SBT, onde relatou que era apaixonada por correr e tinha dificuldades para isso morando nas ruas. Quem viu essa reportagem foi o jornalista Fausto Camunha, que ocupou o cargo de secretário de Esportes do governo do ex-prefeito Celso Pitta entre os anos de 1998 até 2000, sucedendo ao ex-jogador de basquete Oscar Schmidt. Camunha convidou Ana Garcez para morar no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa da Prefeitura de São Paulo. Além disso, viabilizou que ela passasse por consultas médicas, fosse ao dentista e se mantivesse longe das ruas. “Dei sorte porque ela foi muito obediente”, lembra. Ele diz que também fez o convite aos outros meninos, porém, só ela aceitou dizendo ser apaixonada por corridas.

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Atleta Ana Garcez, a Animal, durante comemoração da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022
Atleta Ana Garcez, a Animal, durante comemoração da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022 (Clayton Freitas/Veja SP)

Ana Animal treinava e se dedicada às provas até que, em 2001, uma decisão da ex-jogadora de basquete Maria Paula Gonçalves, mais conhecida como Magic Paula, que dirigia o Centro Olímpico na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy obrigou que Ana Garcez saísse do local.

Camunha diz ter ficado chocado com a decisão e conta que pediu ajuda para o secretário estadual de esportes à época, Marcos Arbaitiman, para que ela pudesse ficar no alojamento do Ginásio do Ibirapuera. Lá ela treinou com Wanderlei Oliveira, um dos principais mestres do atletismo do país e que apareceu na capa da revista VEJA São Paulo no ano de 1999 em reportagem que falava da febre do mercado running em São Paulo.

Rapidamente Ana Garcez se destacou não só pela velocidade, mas também pelo seu modo espontâneo e extravagante, com direito a palavrões para atletas que insistem em não dar passagem para ela. Costume que, aliás, ela mantém até hoje. Quem a conhece pessoalmente sabe que isso é apenas uma casca e ela é bastante gentil com quem se aproxima para tirar fotos, algo que acontece com bastante constância nas ruas. Outra marca registrada é o seu estilo único de vestir, misturando elementos cômicos com punk, com direito a muita cor e brilho dos pés à cabeça.

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Ana Garcez colecionou uma série de apoiadores e apareceu em diversos programas de TV.  Também já rodou o mundo participando de provas de várias distâncias, em países como EUA, Inglaterra e França. Uma de suas conquistas foi ter sido a primeira brasileira a ganhar o Gay Games de Paris. Feito que conquistou aos 55 anos.

“Ela teve uma vida muito complicada, roubava, usava drogas e o esporte fez com que ela se superasse. O governo tem obrigação de cuidar para que ela continue assim, fora das drogas, brigas e roubos. O que será dela? Vai voltar para a rua?”, questiona Camunha.

Nos bastidores vários amigos se mobilizam para que a decisão não seja efetivada. Ana Garcez, a Animal, quer continuar no local que considera a sua casa.

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