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Um dia na rotina do farol que mais quebra na cidade

Semáforo no bairro da Água Branca apaga uma vez a cada oito dias

Por Ana Luiza Cardoso e Sérgio Quintella
Atualizado em 5 dez 2016, 11h36 - Publicado em 5 mar 2016, 00h00
Trânsito
Trânsito (Rodrigo Dionísio/)
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“Estou no escuro — e ainda é dia. Há pelo menos duas semanas, como testemunham aqueles que trafegam por estas bandas, minhas luzes não se acendem. É terça-feira (1º), pouco depois das 11 horas e, destituído dos poderes de indicar o verde, o vermelho e o amarelo, passei de semáforo a simples poste.

Sirvo de nenhuma ajuda para Haroldo José da Silva, de 39 anos, que cruza a Avenida Ermano Marchetti com a Praça Doutor Pedro Corazza, na Água Branca, em cuja esquina estou fincado. Com apenas 15% da visão, ele costuma perceber minha cor em forma de borrão e vai adiante tocando o chão com sua bengala. Hoje, o estudante (ele faz pedagogia na Universidade Paulista, instituição vizinha) precisa do auxílio da colega de classe Paula Alves Santana. A garota espalma as duas mãos em direção aos carros, em sinal de “pare!”, e segue a passos lentos.

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Após a frenagem de quatro motoristas, eles cumprem a jornada até o outro lado da via. Há agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) em três pontos nas redondezas, mas sobrou um trecho sem controle, de onde surgem veículos a 50 quilômetros por hora, a velocidade-limite. Assim é um dia comum na minha rotina — um semáforo no cruzamento onde os faróis mais quebram na capital.

Aqui, somos 24 sinaleiros para carros. Nossa liderança foi confirmada pela Secretaria Municipal de Transportes a pedido de VEJA SÃO PAULO, que obteve esses dados graças à Lei de Acesso à Informação. Em 2015, enguicei espetaculares 44 vezes — uma a cada oito dias. Ao redor da metrópole, como todo paulistano bem sabe, muitos aparelhos se apagam nas primeiras pancadas de chuva.

Em 2015, houve o total de 7 947 ocorrências nos 6 318 cruzamentos com equipamentos como eu. O número, ao menos, é 27% menor do que o do ano anterior, mas, para mim, só piorou: eu não figurava, então, entre os dez mais daquele ano. O vice-campeão atual está no entroncamento da Avenida David Domingues Ferreira com a Rua Geraldo Vieira de Castro, em Itaquera. Ele pifou 34 vezes. Em 2014, o vencedor foi o da Avenida Marquês de São Vicente com a Rua Quirino dos Santos, a 3 quilômetros daqui, fora do ar por 28 vezes. No meu caso, porém, o problema não são só os chuviscos e temporais.

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As falhas ocorrem pelo alto índice de furto dos fios do circuito elétrico, segundo informa a assessoria de imprensa da CET. No último caso registrado, foram levados 600 metros, o que afetou a mim e a meus colegas. Uma trabalhadora dos arredores dá seu testemunho: ‘Os ladrões escalam os postes como se subissem em um coqueiro’. Injusto é que ainda viro motivo de chacota.

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‘Até se um cachorro faz xixi nesse farol ele entra em colapso’, brinca o frentista José Nunes. Mais respeito, por favor. Espero que tomem alguma providência antes que eu me transforme em uma barra de pole dance. Quem transita por essas bandas à noite agradeceria uma medida concreta. Há quem demore até ‘vinte minutos para atravessar a avenida’. Faz sentido: os fiscais se vão no fim da noite, e os apitos são substituídos por buzinas.

Previsivelmente, os condutores não se entendem. Na tentativa de abrir passagem, um estudante que carrega uma caixa com esfihas imita, com a boca, o ‘piii’ dos marronzinhos — a ideia é que os desavisados freiem por medo de ser multados. Os amigos gargalham ao ver alguém no volante cair no truque e parar para o falso homem da lei. Alguns cones deixados pela companhia de tráfego na Avenida Santa Marina, que integra a interseção de vias, foram derrubados e abandonados na pista.

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Há boas ideias que poderiam me deixar em pleno funcionamento. O engenheiro Sergio Ejzenberg, mestre em transportes pela Escola Politécnica da USP, fala que a solução para o pisca-pisca do trânsito é enterrar os fios. A prefeitura diz que isso está em estudo. O antídoto valeria não apenas contra furto, mas para evitar as panes provocadas por raios e umidade, que fazem a fiação se deteriorar. O desgaste dos pedestres e motoristas é igualmente grave. São Paulo merece mais. Quero voltar a trabalhar.”

Locais do pisca-pisca

Pontos campeões de sinais fora do ar (dados de 2015)

› Avenida Ermano Marchetti x Praça Dr. Pedro Corazza (Água Branca): 44 vezes

› Avenida David Domingues Ferreira x Rua Geraldo Vieira de Castro (Itaquera): 34 vezes

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› Avenida Inajar de Souza, 200 (Limão): 33 vezes

› Avenida São João x Rua dos Timbiras (República): 27 vezes

› Rua Heitor Penteado x Rua Pereira Leite (Sumarezinho): 27 vezes

› Avenida Mercúrio x Praça São Vito (Brás): 26 vezes

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