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Os pares perfeitos

Com um salto fincado na tradição italiana e outro na criação sexy, Gianvito Rossi se firma como um dos designers mais quentes do momento

Por Simone Esmanhotto
Atualizado em 5 dez 2016, 17h52 - Publicado em 6 ago 2011, 00h50

Existe uma distância de estilo tão abissal entre os pares da elite da sapataria que eleger um favorito se aproxima, numa comparação sem nenhum salto alto, a torcer para um time de futebol. Candidatas a Maria Antonieta preferem Manolo Blahnik, cuja fama vem das mules em cores de macaron e das formas confortáveis. Já as interessadas em aparições avassaladoras seduzem num Christian Louboutin, que se inspira em dançarinas de cabarés parisienses e pouco se importa se os pés sofrem em suas plataformas. A nata metida em longos Christian Dior flutua nas criações de Bruno Frisoni para Roger Vivier, delicadas e com cifras na casa dos 5.000 reais, que dão vontade de andar de ponta-cabeça para todo mundo vê-los (e manter as solas imaculadas). Nessa vitrine desponta Gianvito Rossi, um italiano de 44 anos que se equilibra numa receita clássica. “Acredito em sapatos femininos e sexy, entre o retrô e o atual, que sempre complementam a roupa e jamais aparecem mais do que a mulher”, diz ele, que recebeu VEJA SÃO PAULO em seu estúdio da Via Santo Spirito, em Milão, a poucos passos da loja número 1 da marca (a número 2, em Paris, ajuda a tornar a Rue du Mont Thabor um dos destinos de compras mais interessantes e menos óbvios da cidade).

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Não é um tropeço ligar o sobrenome do designer a outro que virou grife da sapataria italiana. Ele é filho de Sergio Rossi, lenda no universo do salto alto. O pai abriu a primeira loja em 1966, um ano antes de Gianvito nascer. “Nossa casa ficava sobre a fábrica, e cresci brincando entre as caixas”, lembra. A diversão da infância virou ofício aos 17 anos. Foi um passo natural que, nas palavras dele, começasse a criar ao lado do pai. Separar o par perfeito foi outro, bem mais difícil. Em 1999, Sergio vendeu 70% da marca própria ao Grupo Gucci — hoje proprietário também de grifes como Yves Saint Laurent, Stella McCartney, Alexander McQueen e Bottega Veneta — por cerca de 163 milhões de reais. Na época, a empresa faturava 85 milhões de reais e produzia 550.000 pares de sapato por ano (ou seja, cerca de 1.500 pares por dia). Os planos da Gucci eram multiplicar os números da fábrica, ampliar a quantidade de lojas e alavancar o faturamento.

Além dos 30% que mantiveram como posse da família, os Rossi permaneceram na empresa, na direção de criação. Seis anos mais tarde, a família saiu do departamento de criação e vendeu sua participação. De Sergio Rossi, restou apenas o nome. “Você só entende o que deseja ser quando perde o que tem”, desabafa Gianvito. Em setembro de 2006, ele voltou à cena com a marca própria. Na fábrica localizada em San Mauro Pascoli, reduto da fina flor da sapataria feminina italiana — e, por extensão, do mundo (Louboutin e Blahnik produzem no país) —, Gianvito confecciona cerca de dez pares por dia, 100 modelos por estação. É uma volta às origens, em números e em DNA. “Trabalhei muito próximo a meu pai. O estilo está impresso em mim, mas expresso com o meu ponto de vista”, diz. Agora é a vez de o pai orbitar ao redor dele, oferecendo palpites ao filho e a seus quase sessenta funcionários.

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Gianvito mora em San Mauro Pascoli, cidade onde abriu sua fábrica, em 2008. Três vezes por semana, encara três horas de viagem até Milão para dar expediente no estúdio onde recebe compradores e jornalistas. E também amigas de sua mulher, a empresária Monica. Reunidas, elas experimentam todas as invenções e opinam sobre todas elas, sob o olhar atento do estilista. “Preciso ver a expressão no rosto da cliente para medir se um design é bem-sucedido”, conta. “Não há nada pior do que ver alguém desconfortável em cima de saltos da altura de arranha-céus.” Na avaliação de Gianvito, o limite da sanidade, sem plataforma, caminha sobre saltos 11.

Também aberta em 2008, a butique nos arredores das vias della Spiga e Montenapoleone ocupa três salas com projeto de Patricia Urquiola, estrela do Salão do Móvel de Milão, dentro do Bagatti Valsecchi, um palácio em estilo renascentista do fim do século XIX. Ali, onde são vendidos pares que custam entre 580 e 3.500 reais, os dois atendentes conhecem as clientes pelos pés e se recusam a fazer caber algo que não equivalha ao sapatinho de cristal na Cinderela em questão. “Não, não, o escarpim de bico fino não fica bem em você”, censurou, gentilmente, um vendedor a uma italiana, durante a visita da reportagem.

A moça tentava levar para casa um dos modelos que se tornaram emblemáticos do designer: o escarpim, feito de camurça colorida em tons de pedras preciosas (da turquesa à ametista, do rubi à safira), que ocupava um lugar de destaque na primeira sala da butique. “É melhor um estilo mais arredondado. E algo me diz que você é o tipo de mulher que vai aproveitar um detalhe de amarração”, completou, sugerindo um sapato com fecho à moda corselete. “Gianvito reúne beleza, elegância, tradição e modernidade — é o que as mulheres desejam”, resume Eliana Tranchesi, da Daslu, a única das 33 multimarcas ao redor do mundo a tê-lo no Hemisfério Sul.

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A trupe hollywoodiana confirma a preferência, entre elas a atriz Gwyneth Paltrow, referência de bom gosto e elegância, que todo designer espera ter como cliente. Ao que parece, Gianvito descobriu também o que os homens querem (para eles, aliás, está prestes a sair do forno a primeira coleção de tênis de couro). Dias depois da cena na butique da Santo Spirito, a reportagem quis saber se o vendedor acertou no palpite sobre o sapato-corselete. Enviou um SMS à Cinderela italiana e recebeu uma resposta sucinta: “Só posso dizer que meu namorado adorou desamarrá-lo…”. As reticências provam que Gianvito sabe onde está pisando.

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