São Luiz do Paraitinga está à espera dos turistas
A cidade conta com os visitantes para alavancar sua reconstrução
Localizado no quilômetro 39 da Rodovia Oswaldo Cruz, o único acesso à cidade de São Luiz do Paraitinga dá indícios da temporada de obras. Placas de empresas de engenharia anunciam “contenções emergenciais”. Mais adiante, operários trabalham na recuperação de uma ponte. No centro histórico, 89 das 425 construções dos séculos XVIII e XIX tombadas pelo patrimônio histórico estão parcialmente ou totalmente destruídas. Ao meio-dia, soam as doze badaladas do sino da igreja matriz — ainda que sua torre não esteja mais lá. Trata-se de uma maneira de manter a identidade dos 11 000 habitantes do encantador município do Vale do Paraíba, a 187 quilômetros de São Paulo, famoso por seu Carnaval de marchinhas e por suas festas religiosas. Passaram-se sete meses desde a tragédia: no primeiro dia do ano, o nível do Rio Paraitinga, que atravessa a cidade, subiu 10 metros acima do normal. Imóveis ficaram inteiramente debaixo d’água. Há marcas visíveis na pintura externa de vários deles. A enchente sem precedentes afetou a estrutura dos casarões antigos, erguidos com as técnicas de taipa de pilão e pau a pique. Compostas de barro e cascalho, as paredes amoleceram e cederam. Ruínas e tapumes agora fazem parte do cenário, ao lado das janelas e portas coloridas.
“Ainda não estamos prontos para receber turistas como gostaríamos”, afirma a prefeita da cidade, Ana Lúcia Bilard Sicherle. “Mas precisamos deles para movimentar a economia e continuar nossa recuperação.” Diariamente, o canteiro de obras da igreja matriz, datada de 1850, fica aberto para visitação. A limpeza do terreno acaba de ser concluída e cerca de 400 peças foram retiradas dos escombros. Catalogados, os itens de valor histórico, a exemplo de sinos, relógios, prataria, forros pintados e altares, estão em fase de restauração. Tijolos, tábuas de madeira, pregos e algumas imagens ficam guardados em um barracão. Desde 23 de janeiro, 39 operários atuam ali. “Estamos concluindo a primeira etapa; agora começa a construção”, afirma o arquiteto Adriano Carvalho, da construtora Biapó, contratada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para o salvamento da matriz, da Capela das Mercês, de 1814, e de quinze imóveis particulares.
Até o momento, o governo do estado destinou 100 milhões de reais para São Luiz do Paraitinga. Com investimento de 600 000 reais, o Mercado Municipal ganhou cara nova. A reativação do prédio da prefeitura custará 700 000 reais. Há ainda, entre outras ações, reforma de escolas, criação de uma biblioteca-modelo, recuperação dos acessos nas estradas e a implantação de um sistema de alerta de possíveis cheias na bacia do Rio Paraitinga. Em meados de setembro, devem ser entregues 150 casas levantadas a toque de caixa pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) para abrigar famílias desalojadas — atualmente, são 212. A Secretaria de Estado da Cultura, em parceria com a CDHU, vai oferecer linhas especiais de financiamento para a reforma dos imóveis privados tombados pelo Condephaat. “Estamos fazendo todo o possível para que o local não perca suas características originais”, afirma o secretário Andrea Matarazzo.
Nos últimos meses, funcionários do setor de serviços e de turismo se viram obrigados a migrar para a construção civil. Pousadas, restaurantes e lojas, aos poucos, voltam a funcionar. Dono de uma agência de rafting e outras atividades de ecoturismo, Guto Pola ainda não reativou a sede de sua empresa, em uma ruela do centro. Optou por primeiro arrumar sua casa, onde também mantém um camping, a 1 500 metros dali — calcula ter gasto 56 000 reais na reforma. As obras da empresa consumirão outros 28 000 reais. “Quem depende só do turismo está passando perrengue”, diz ele, que recebeu nos últimos meses crianças de escolas particulares paulistanas dispostas a conhecer a história local. Danificada pelas fortes chuvas, a casa onde nasceu o sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917) permanece interditada. No imóvel da frente, porém, um museu recém-inaugurado aborda o tema da escravidão.
Em pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Unesp) com 374 visitantes da Festa do Divino, comemorada em maio, 63,8% dos entrevistados responderam que a recuperação vinha avançando bem. “Muita gente tinha, e ainda tem, as imagens da destruição na cabeça”, acredita o diretor de Turismo do município, Eduardo Coelho. “Mas a cidade está viva.” A partir de sexta (13), será realizada a Festa do Padroeiro São Luís de Tolosa. Missas, procissões, apresentações de congada, moçambique, maracatu, capoeira, dança de fitas e música tomarão conta das ruas. O casal de bonecos gigantes João Paulino e Maria Angu, presente há mais de um século nas folias sagradas e profanas de Paraitinga, estará lá para dar as boas-vindas.