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Romântico ritual

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 18h44 - Publicado em 26 jun 2010, 00h17

Quando cheguei à academia, notei que meu personal trainer, Igor, mostrava rugas na testa. Não nego, fiquei curioso: saber da vida alheia é uma das minhas atividades prediletas.

— Tudo bem? — perguntei- lhe.

Ele apertou uns botões e desandei a correr na esteira, veloz como um hipopótamo. Enquanto eu suava, Igor desabafou.

— Queria pedir a Júlia em casamento e lhe dar um anel de noivado, como se fazia antigamente. Mas todo mundo diz que é brega.

Aspirei mais uma golfada de ar e pedi a ele para me explicar. Segundo contou, namorava Júlia fazia cinco anos. Pretendia se casar até dezembro. Comprou alianças e um anel de cristal. Pensou em combinar um jantar com a família de ambos e pedi-la diante dos pais. Os amigos criticavam.

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— Você acha que é cafona?

— Dá um segundo, não consigo respirar! — respondi, nos minutos finais da corrida.

Terminei a esteira. Particularmente, admiro os delicados rituais do passado. Aconselhei:

— Faça tudo como pensou. Ela nunca vai esquecer. E, se for brega, qual o problema?

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Na semana seguinte, não resisti:

— Como foi?

Seus olhos faiscaram:

— Maravilhoso!

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Preparou a surpresa. Combinou tudo com os pais da jovem e sua própria família. De tarde, a irmã de Júlia a levou para o salão de beleza. Igor só foi buscá-la quando todos estavam reunidos, à espera do casal.

Em casa, diante das duas famílias, ela surpreendeu-se:

— O que você aprontou?

Igor ajoelhou-se. Nem lembra direito o que disse, de tão nervoso:

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— Falei que a amava. Ofereci a ela o anel e perguntei se aceitava se casar comigo. Antes de ela responder, no entanto, queria ouvir seus pais.

Os futuros sogros brincaram, fingindo estar em dúvida. Mas logo concordaram. Júlia, em lágrimas, respondeu:

— Sim! Claro que sim!

Adorou o anel. Trocaram alianças. As mulheres presentes choraram. Em seguida, os noivos e as famílias comemoraram com um jantar.

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— Você estava certo, ela nunca vai esquecer! Nem eu! — comentou. — Se você não tivesse dado o empurrão, nunca teria tido coragem!

Fiquei pensando: quantos suaves rituais do passado nós abandonamos hoje em dia? Gestos bonitos são tachados de bregas, de cafonas. Antes, as pessoas costumavam se vestir especialmente para ir ao teatro, ao cinema ou jantar fora. Os homens, principalmente, nem ligam mais para isso. Mas chegar bem-vestido a qualquer lugar é um ritual que faz bem e eleva a autoestima.

Também acho feio chegar sem presente a um aniversário, mesmo que seja só uma lembrancinha para dizer: “Pensei em você!”. Participar de batizados, de bodas de prata, oferecer um jantar a um amigo que conseguiu um bom emprego ou enviar flores para quem lançou um livro são delicadezas que muita gente acredita ultrapassadas. O mundo moderno é rápido, prático, e tantas pequenas coisas parecem ter perdido a razão de ser.

Mas eu acredito nesses rituais que marcam os bons momentos da vida. Rituais que estabelecem laços, expressam afeto, falam de emoções! Francamente, não tenho medo de ser tachado de brega, cafona ou coisa que o valha. Como disse a Igor, por que temer meras palavras?

A cerimônia de noivado do casal, com declaração e anel, está sendo comentada em todo o bairro. As amigas de Júlia suspiram, desejando que seus namorados sejam tão românticos quanto Igor. Ele também anda surpreso.

— Estou fazendo o maior sucesso — comentou, enquanto me botava para correr na esteira mais uma vez.

E concluiu:

— Nunca pensei que fosse tão bom ser romântico!

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