Sempre que viajo, observo curioso e intrigado o conteúdo da caixa de vidro que fica no saguão da área de embarque do aeroporto internacional. É uma vitrine onde ficam expostos objetos que estavam em poder dos passageiros e foram confiscados após passar pelo raio X. Coisas que eles levavam nos bolsos, bolsas, pastas e maletas.
Alguns objetos nem deveriam estar ali, não fosse de insegurança e sustos o tempo em que vivemos. Alicate de unhas? Seria normal. Canivete suíço? Útil. Kit-manicura, lâmina de barbear, pinça de sobrancelhas, lixa de unha metálica… Tudo deixa de ser razoável e pacífico quando o mal pode estar dormindo na poltrona ao lado.
Há coisas inesperadas dentro da caixa-vitrine.
Por que alguém embarcaria carregando consigo, no bolso ou na bolsa, uma chave de fenda? Não pequenina, tipo relojoeiro, ou pequena, que servisse para abrir compartimento de baterias de brinquedos, mas uma chave média, tipo marceneiro ou técnico de eletrodomésticos. O cara estava trabalhando e foi direto para o aeroporto, seria isso?
Tem seringas. Para alguma urgência de viciado? Emergência de diabético? Crise de labirintite, crise renal, coisa assim? Exce-tuando isso, para que viajar com seringas?
Tem bisturi, estilete, faca, canivete. Com que intenção, me digam. Que cirurgião distraído é esse que leva no bolso caixinha de bisturis? E estilete, faca – quem carrega?
Tem tesouras, desde as de cortar unhas àquelas fininhas compridas, de cabeleireiros. Eles agora viajam com a tesoura no bolso? Para fazer um extra no avião, aparar a cabeleira de algum viajante que não teve tempo?
Gente, tem cordinha de náilon! Para enforcar a comissária? Amarrar aquele tipo de passageiro que fica sentando e levantando sem parar? Treinar nós de marinheiro? Não consigo imaginar.
Saca-rolhas, alicate comum, alicate de bico, kit de ferramentas de bolso, limpador de cachimbo, navalha, desentupidor de bico de fogão a gás, garfo – pequenos objetos disparatados coexistem ali em promíscua reclusão. Outros, maiores, e de formato incompatível com a caixa-vitrine, ficam em outro lugar.
Aconteceu comigo. Conto, do começo.
Despachei as malas, fiquei com uma maleta de rodinhas e tempo sobrando. Dei voltas, sem objetivo. A gente corre para o aeroporto com medo das filas, e se o despacho é rápido fica sem o que fazer. Ao passar pelo quiosque argentino de doces, lembrei-me, num estalo com direito a tapa na testa, que havia prometido ao amigo que me hospedaria justamente um vidro de doce de leite argentino. Sorte. Comprei um e enfiei-o na maleta.
Fui para a área restrita de embarque internacional. No raio X, após o ritual de tirar sapatos, colete, chaves, cinto, botar tudo na esteira junto com a maleta, e de receber as coisas na outra ponta, o funcionário me abordou:
– É sua esta maleta, senhor?
– Sim.
– Ela esteve em seu poder o tempo inteiro, o senhor não a deixou com outra pessoa em momento algum?
– Não, só comigo.
Pediu que eu a abrisse, retirasse os objetos um a um. Quando chegou ao doce de leite, pediu que eu o desembrulhasse. Expliquei que era apenas um doce de leite para um amigo, comprado no aeroporto, abri o pacote, mostrei-o.
– Não pode seguir, senhor. Substância pastosa nessa quantidade não pode embarcar. O item tem de ser descartado.
Insisti que não era um item, era só um doce de leite, eu poderia abrir o vidro, comer uma dedada ali mesmo, se ele quisesse, meu amigo não se importaria. A autoridade exibia a frieza das autoridades.
– Está apreendido, senhor. Queira por favor descartar ali, naquele lixo. Pode guardar o resto.
Inútil argumentar. “Descartei” o vidro, me vesti, me calcei e me dirigi desolado ao portão de embarque. E aqui vem a melhor parte.
No caminho, havia uma loja vendendo o mesmo doce de leite argentino. Comprei-o, enfiei-o na maleta, embarquei e viajei vingado.