Projeto de lei pretende liberar publicidade em bancas de jornal
De acordo com o texto, o comércio poderá ter quatro painéis de até 90 centímetros de largura e 1,80 metro de altura; renda extra agrada o setor
Anselmo Juociunas tornou-se jornaleiro nos anos 80. Ele chega à sua banca, instalada próximo à Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em Moema, por volta das 4 e meia da madrugada. Depois de varrer a calçada, põe-se a postos para os clientes, com quem gosta de discutir, principalmente, política. O senhor de 61 anos é um dos milhares de profissionais que trabalham nas cerca de 3 500 bancas de jornal e revista da capital. Esses negócios podem passar por uma virada em breve.
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Discute-se na Câmara Municipal um projeto de lei sobre a veiculação de publicidade nesses pontos, proibida desde a instituição da Lei Cidade Limpa, há quase uma década. “Isso dará novo fôlego ao nosso setor”, acredita Juociunas. Até as 20 horas de quinta (30), a proposta, mesmo na pauta dos vereadores, ainda não havia passado por uma segunda votação — na primeira delas, no último dia 15, apenas três parlamentares votaram contra a ideia. A iniciativa do prefeito Fernando Haddad consiste em uma reformulação de um projeto de lei de 2014 do então vereador José Américo, também do PT.
De acordo com o texto, o comércio do tipo que optar por adotar a fonte de renda extra poderá contar com quatro painéis de até 90 centímetros de largura e 1,80 metro de altura. Seriam um em cada lateral externa e mais dois na parte traseira. Para poderem aproveitar o benefício, os interessados precisariam atender a padrões de modernização de design a serem definidos no futuro pela São Paulo Urbanismo, empresa pública ligada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU). Em outros termos, vão precisar deixar o ponto com uma cara mais bonita.
Dono de uma banca comprada de seu pai em Alto de Pinheiros, Raphael Vasconcelos, de 29 anos, crê poder elevar o faturamento de 60 000 reais mensais com a medida. “Na parte de trás, hoje pichada, conseguirei colocar anúncios e ganhar dinheiro com isso”, diz. Um projeto similar, mas que diz respeito à publicidade em pontos de táxi, também foi aprovado em primeira votação na Câmara recentemente.
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As bancas entram na categoria de “mobiliários urbanos”, assim como os relógios e os pontos de ônibus. Esses últimos, a partir de licitações da prefeitura, passaram a receber anúncios há três anos. No caso dos pontos de ônibus — que renderam 13 milhões à prefeitura em 2015 —, o Tribunal de Contas do Município apura ilegalidades no contrato de execução.Para as bancas, os acordos se desenvolveriam diretamente entre as empresas de publicidade e os donos do negócio.
Enquanto os comerciantes aplaudem a iniciativa, com o apoio do Sindicato dos Vendedores de Jornais e Revistas de São Paulo (SindjorSP), há críticas sobre uma possível flexibilização na Cidade Limpa. “É preciso um estudo de impacto dessa ação”, afirma a arquiteta e urbanista Regina Monteiro, idealizadora da lei. Hoje secretário de Relações Governamentais, José Américo rebate esse tipo de argumento dizendo que as regras instituídas na gestão Kassab já previam a prática.
“Essas estruturas hoje estão caindo aos pedaços. Com as mudanças, o espaço público ficará mais bonito”, garante. Presidente do SindjorSP, José Antônio Mantovani concorda com o político. “Sempre que o jornaleiro faz algum investimento de revitalização, o faturamento aumenta 30% em média”, calcula.
Se aprovado o texto discutido em uma audiência pública no último dia 28, os jornaleiros precisarão pagar uma contrapartida financeira ao governo (definida a partir de fatores como o tamanho do terreno), direcionada a um fundo voltado para a paisagem urbana. O sindicato da categoria prevê, a partir da adesão de 2 000 bancas ao programa, arrecadação de 8 milhões de reais ao município.
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Estima-se que cada ponto ganharia, em média, 1 000 reais por mês com os anúncios. Esquema parecido já existe em cidades estrangeiras, como Nova York, e também em outros estados brasileiros. Em Belo Horizonte, instituiu-se a prática nos anos 2000. “Fez uma grande diferença”, afirma Zenóbio de Macedo, do sindicato da área em Minas Gerais. “Quase 300 bancas foram revitalizadas.” Lá, permite-se apenas um painel, que vale de 500 a 1 000 reais por mês.
Em São Paulo, os pontos específicos para a venda de revistas e jornais surgiram por volta de 1910. Em 1954, o prefeito Jânio Quadros regularizou o negócio. Com história de cinco décadas no ramo, a italiana Caterina Abbatepietro, de 82 anos, segue firme no batente vendendo revistas no bairro de Santo Amaro. “As pessoas têm uma relação de muito carinho com as bancas”, conta. “Enxergam nelas um espaço de cultura.”