Capital terá vila com casinhas de 18m² para moradores de rua
Com prioridade para famílias e crianças, a Vila Reencontro ocupará terreno onde atualmente funciona pátio do Detran
Estruturas de 18 metros quadrados, com cama, cozinha e banheiro. As casinhas das fotos desta reportagem são uma prévia de como a Vila Reencontro, na altura do número 900 da Avenida do Estado, deve ocupar um terreno municipal atualmente em uso pelo Detran, na região central. As 330 unidades serão voltadas para 1 674 moradores de rua, prioritariamente, famílias com crianças. A promessa da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social é a entrega do empreendimento até o fim de 2022. “Vamos oferecer moradia temporária, prioritariamente para famílias e pessoas que estão há menos de um ano na rua”, diz o secretário Carlos Bezerra Jr., 53, sobre o projeto na Avenida do Estado. A escolha dos moradores será feita por avaliação psicossocial, dando preferência para famílias com filhos na primeira infância.
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A pasta estuda o tipo de matéria-prima que será utilizada para as estruturas, que serão pré-prontas. “Há, por exemplo, moradias que usam placas de material reciclável e outras que são construídas com a mesma tecnologia daqueles hospitais que foram levantados rapidamente na China (na pandemia)”, explica Bezerra. O tempo de permanência inicial é de doze meses, que, segundo o secretário, poderá ser ampliado. Além de famílias, parte das vagas também será destinada para homens e mulheres solteiros. “Para uma família, um espaço de cozinha individualizada. Mas para espaços com indivíduos solteiros, cozinhas e lavanderias comunitárias.”
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O investimento total ainda não foi definido. A iniciativa é parte do Programa Reencontro, que, de acordo com as metas da gestão Ricardo Nunes (MDB), deve entregar 10 000 novas vagas para moradores de rua até 2024, fim do mandato iniciado por Bruno Covas. Segundo o censo divulgado em janeiro — apontado por lideranças de movimentos sociais como subestimado — , são 31 884 pessoas em situação de rua na capital. Atualmente, a cidade conta com cerca de 16 000 vagas na rede socioassistencial. A Vila é o primeiro projeto do pacote, cujo modelo poderá ser replicado. Dentro do espaço será oferecido o acompanhamento de profissionais da saúde e serviços para qualificação e recolocação no mercado de trabalho.
“Na atual conjuntura econômica, um grupo familiar não muda de situação social em um ano”, diz o Padre Júlio Lancellotti, 73, da Pastoral do Povo da Rua. “Até o fim deste ano a população em situação de rua vai aumentar e você vai demorar um ano para fazer isso (a Vila)?”, aponta. “Todas as 300 moradias vão estar em um mesmo lugar, isso não é bom. Como você vai administrar 1 600 pessoas convivendo, sem laço nenhum entre elas?”, questiona o padre.
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O projeto também é alvo de críticas de Kelseny Medeiros, 33, pesquisadora e mestranda pela UFABC em planejamento e gestão do território. “Inserir as pessoas em um espaço com privacidade é uma boa ideia. Agora existem várias questões. Seria mais eficiente que a moradia fosse espalhada e não concentrada em um lugar, uma vila que certamente terá resistência dos vizinhos, em que as pessoas que moram ali vão sofrer estigma do bairro”, afirma. Ela cita o projeto Casas Primeiro, em Lisboa, Portugal, em que os espaços são descentralizados. “(Neste modelo) ninguém é obrigado a saber que essa pessoa teve uma trajetória de rua. Ganha-se uma rede de vizinhos e acesso a mais relações sociais do que se ela estiver em um programa que só tem população de rua”, afirma Kelseny, que também questiona a prioridade para famílias que estão na rua há menos de um ano. “Dados do último censo mostram que 72% estão em situação de rua há mais de dois anos.”
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“Estamos em contato com organizações como o Acnur (agência da ONU), acostumado a trabalhar em campos de refugiados, na prevenção de conflitos, pedindo a tecnologia social desenvolvida dentro da experiência deles, que é distinta, mas pode ajudar”, diz Carlos Bezerra. Para além da Vila, o titular da pasta de Assistência e Desenvolvimento Social adianta que nas próximas semanas a prefeitura vai disponibilizar mais 1 000 vagas em hotéis, totalizando 2 500 com as contratadas atualmente.
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Mas, dentro do universo dos 31 884 paulistanos que são expostos à violência, frio e fome nas ruas, o previsto para este ano ainda está longe do ideal. “São Paulo tem a maior rede de acolhimento municipal do país. Reconhecemos que é um desafio amplo e muito mais precisa ser feito. Mas é importante ressaltar que a gestão Nunes tem a temática da população de rua como uma das três principais prioridades”, responde Bezerra.
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Publicado em VEJA São Paulo de 9 de fevereiro de 2022, edição nº 2775