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O dia que não terminou: PM que teve arma apontada para a cabeça por colega está em hospital psiquiátrico

Quase um ano depois do ocorrido, o cabo da Polícia Militar Márcio Simão não superou o episódio; o outro soldado está­ em­ regime ­semiaberto

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 Maio 2024, 19h15 - Publicado em 12 nov 2021, 06h00
Duas fotos, uma ao lado da outra, mostram uma cena em que um soldado da PM aponta uma arma para a cabeça de outro. Ao fundo, dá para ver pessoas olhando a cena
Sequência de imagens mostra ação inusitada: atraso no almoço (Reprodução/Reprodução)
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Os reflexos daqueles longos sessenta segundos em que o cabo da Polícia Militar Márcio Simão de Oliveira Matias, 36, ficou sob a mira de uma pistola empunhada por um colega de farda, o soldado Felipe do Nascimento, em 4 de dezembro do ano passado, na Rua Santa Efigênia, no centro, duram até hoje. Depressão, ansiedade, stress pós-traumático e transtorno do pânico são alguns dos diagnósticos que o militar recebeu nos meses que sucederam ao evento.

Naquela data, após Felipe, 35, se atrasar cinco minutos para voltar do almoço e ter levado uma bronca de Márcio, seu superior imediato, o soldado, em vez de bater continência, sacou a pistola e, no meio da rua, cercado por dezenas de pedestres, ameaçou, com o dedo no gatilho, matar o parceiro de patrulha. A cena, filmada por celulares, viralizou rapidamente. “Só os dois” e “atira na bunda dele” foram dois dos gritos proferidos pelos populares, que riam da situação.

A foto mostra um PM agindo contra o outro, na tentativa de desarmar o que estava apontando uma arma para a sua cabeça. Há pessoas olhando
Márcio e Felipe: a cena da confusão (Reprodução/Reprodução)

Figurinhas de WhatsApp (uma delas com a palavra “sextou”, seguida de um palavrão) também pipocaram pelo aplicativo. Os dois homens de cinza e coletes fluorescentes da conservadora e hierarquizada corporação tinham virado piada de internet. De inusitada e absurda, a ação violenta se transformou em tormento para o cabo, que tem dez anos de PM e possui em seu currículo diversas menções positivas de sua conduta nas ruas.

No último dia 6 de novembro, ele finalmente conseguiu ser internado em uma instituição psiquiátrica de Itapira, no interior, após diversas consultas em hospitais militares e civis e sucessivos pedidos de afastamento devido aos quadros avançados de distúrbios psiquiá­tri­cos. ­Mesmo­  assim­ a ­situação está ­longe ­de­ ser ­considerada ­ideal.­

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A foto mostra um PM agindo contra o outro, na tentativa de desarmar o que estava apontando uma arma para a sua cabeça. A foto é de cima e dá para ver a placa da rua
Ação inusitada: policial tenta fugir (Reprodução/Reprodução)

“São ­164 ­quilômetros ­de­ distância de­ sua ­residência,­ e­ mais,­ ele ­foi­ internado ­por­ prazo ­indeterminado­ e sem ­direito ­a ­acompanhamento”,­ afirma  seu­ advogado ­Robson ­Bertoldo ­Carlos, no ­processo ­que­ move contra ­o ­Estado­ para­ que­ seu­ cliente seja ­afastado­ definitivamente,­ por seis ­meses,­ não­ de ­forma ­“picada”, ­como ­vem ocorrendo.­ “Não ­basta penalizar­ covardemente­ o ­autor/­vítima, ­agora­ a ­instituição ­vai ­também ­estender ­a ­pena­ aos ­demais familiares,­ esposa ­e filho ­de ­4­ anos.”­

Enquanto ­conseguia ­afastamentos pontuais­ —­ foram ­oito ­em­ seis ­meses ­—, ­Márcio ­foi­ quatro­ vezes ­transferido ­de ­batalhão­ e ­não conseguiu ­fazer um­ tratamento­ duradouro.­ Diante ­de tanta ­instabilidade, ­o ­cabo ­passou ­a ­ter ideações ­suicidas,­ principalmente quando­ veio­ a­ última­ “bomba”.­ Em­ 27­ de­ maio,­ a­ determinação ­de­ uma­ junta médica ­foi ­clara: ­o ­cabo ­estava­ apto­ a fazer ­trabalhos ­burocráticos ­internos e ­a Polícia ­Militar ­não ­iria ­mais­ aceitar atestados ­médicos ­dele.­ A ­saída ­encontrada­ foi ­“queimar”­ férias ­e ­folgas acumuladas­ para ­ele ­poder ­permanecer ­afastado.­

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“Com­ medo ­de ­ser ­preso em­ flagrante ­pelo ­crime­ de ­deserção e/ou ­sofrer ­qualquer­ represália,­ buscou-se­ os ­meios alternativos ­para ­ele poder ­se ­afastar”,­ afirmou­ o­ advogado Bertoldo ­Carlos,­ no ­processo.­ A­ PM ­refuta ­as­ acusações ­da ­defesa.­ Em ­nota,­ diz ­que ­Márcio ­recebeu todo ­o ­apoio ­e ­suporte ­de ­seus comandantes.­ E ­que ­após ­a ­indicação ­de ­que­ seguiria ­afastado ­das ruas,­ mas­ trabalharia­ em­ atividades administrativas, ­foi ­transferido ­para apenas­ 3­ quilômetros ­de ­onde­ atuava­ anteriormente.­

Preso ­em ­flagrante,­ o­ soldado Felipe ­foi ­condenado ­a ­seis ­anos ­de prisão ­por ­tentativa ­de ­homicídio,­ mas ­teve­ a ­pena­ reduzida­ para­ quatro ­anos,­ em ­setembro,­ e­ atualmente está­ no­ regime ­semiaberto ­do ­Presídio­ Romão­ Gomes.­ “Eu­ lamento­ a situação­ do­ Márcio, ­mas­ ambos ­são vítimas ­de­ um­ sistema. ­O ­Felipe ­estava ­doente,­ com­ depressão, mas mesmo ­assim ­seu­ comandante ­o ­colocou ­armado­ na­ rua.­ O­ Felipe ­já vinha ­sendo ­vítima­ da ­PM,­ mas ­ela não­ o­ socorreu.­ A­ Polícia­ Militar ­é muito ­omissa”, ­diz­ André­ de ­Lima,­ advogado­ do ­soldado.­

Em ­janeiro, ­Felipe­ teve­ o ­salário ­suspenso,­ em decorrência ­da ­prisão,­ mas ­a ­Justiça determinou,­ em ­agosto, ­que ­o ­valor deve ­ser­ pago­ de ­forma­ retroativa ­e com­ juros, ­independentemente­ da detenção.­ Por­ mês, ­ele ­recebe ­o ­valor ­de ­3­069­ reais.­

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Publicado em VEJA São Paulo de 17 de novembro de 2021, edição nº 2764

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