A indústria da moda sobrevive sem pele de animais?
Não. Especialistas comentam os motivos (e a polêmica da grife Arezzo) a seguir
Está na moda ser amigo da natureza. Adicione a qualquer produto o rótulo “sustentável” ou “ecologicamente correto” e — pimba! — as chances de sucesso se multiplicam. Mas a indústria fashion está preparada para seguir à risca a proposta? A polêmica que envolveu a marca de acessórios Arezzo no último dia 18 indica que não. Vamos ao caso: a grife lançou uma coleção de bolsas e sapatos chamada Pelemania e, tão logo a notícia se espalhou pelas redes sociais, a empresa do mineiro Anderson Birman virou alvo de críticas furiosas. “É um assunto que gostaria de deixar para trás”, comenta ele, que prometeu retirar as peças de suas lojas — são 280 endereços, em mais de noventa cidades.
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Sim, foi uma decisão arriscada batizar de Pelemania uma coleção, sobretudo numa época em que pensar “verde” ganha importância. Porém, cabe lembrar: a Arezzo está longe de ser a única a lançar mão de matéria-prima animal. Avestruzes da África do Sul, lagartos da Ilha de Java e crocodilos da Austrália viram bolsas cobiçadíssimas (e caras na mesma proporção) da maison Hermès. Uma Birkin confeccionada com esse último réptil passa fácil dos 120.000 reais na loja que a grife mantém no Cidade Jardim — depois de alguns meses (ou anos) de espera. Em fevereiro, nos desfiles da semana de moda de Paris, pesos-pesados como Marc Jacobs, Zac Posen e Louis Vuitton exibiram peles nas passarelas. Houve reclamações, como era de se esperar, mas nada que impedisse a supermodelo Kate Moss de, pouco depois, circular pelas ruas com peças da coleção da LV (um parênteses sobre a Vuitton: as famosas peças monogramadas NÃO são de couro, mas de um material sintético). “Acho estranho as pessoas gritarem e protestarem contra o uso de peles exóticas, sendo que a maioria usa couro. E bastante”, afirma a jornalista de moda Lilian Pacce.
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Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil produziu 8,6 milhões de peças de couro bovino em 2010. Isso representou, como mostram dados do Centro das Indústrias de Curtume do Brasil (CICB), exportações de 1,7 bilhão de dólares (cerca de 2,7 bilhões de reais) — 12% do couro vendido no mundo sai daqui do país. “Cerca de 70% dos acessórios fabricados hoje por marcas importantes levam couro”, estima Guto Marinho, professor do curso de moda da Faculdade Santa Marcelina. O abate de bois, é verdade, inclui-se numa categoria considerada menos prejudicial. A lógica é que, se os bichos já morreriam para o consumo de carne, menos mal aproveitar também o couro. “Não existe produto 100% ambientalmente correto”, completa Marinho, referindo-se a processos químicos que, usados durante a fabricação, acabam sendo nada sustentáveis. “No entanto, ainda é menos agressivo fabricar couro sintético do que matar animais”, diz Dhora Costa, professora do Centro Universitário Belas Artes.
Até a Chanel se rendeu
Talvez por isso até mesmo o estilista Karl Lagerfeld — chamado frequentemente de “kaiser da moda” — tenha se rendido ao clamor ecologicamente correto. Ele criou para a Chanel, em seu desfile de inverno de 2010, peças com pele fake. “Depois disso, elas foram aceitas no circuito de luxo”, conta Erika Palomino, jornalista e colunista de moda. Segundo ela, hoje é mais fácil encontrar peças sintéticas em lugares bacanas. “Fiz um teste outro dia, num shopping, e vi que há várias opções.”
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Outro empecilho para as matérias-primas ecologicamente corretas é o custo. “Chegam a ser 70% mais caras”, calcula Stella McCartney, vegetariana desde criança e precursora nas tentativas de combinar moda de primeira grandeza com materiais sustentáveis — sem que as roupas pareçam menos impactantes. Por mais relevantes (e louváveis) que sejam essas conquistas amigáveis ao ambiente, é consenso entre os especialistas ouvidos para esta reportagem que ainda vai demorar bastante até que episódios como o da Arezzo sejam coisa do passado. A moda não sobrevive sem os bichos. Que, por sua vez, não sobrevivem por causa da moda.