Cerca de 100 000 pedestres caem e se machucam nas calçadas todos os anos
Por falta de reforma em ambientes públicos, a população sofre lesões e fraturas; em boa parte dos casos, o tombo acaba no hospital
Calçadas malcuidadas como a da foto acima se reproduzem pelos quatro cantos da cidade. Pudera. Desde 2005, apenas 474 quilômetros, 1,5% do total, receberam algum tipo de reforma. Não à toa, anualmente cerca de 100 000 paulistanos caem e se machucam nos 30 000 quilômetros de passeios públicos. Apesar dos números alarmantes, não há estatísticas que mostrem o total de lesões, fraturas e internações causadas por tombos nas ruas.
Em 2005, médicos do Hospital das Clínicas estudaram durante um mês as causas de acidentes de trânsito envolvendo 600 pacientes que deram entrada no pronto-socorro. Metade tinha caído na calçada. Dois deles morreram por complicações. “É um problema de saúde pública”, afirma a médica responsável pelo estudo, Julia Maria Greve, do departamento de ortopedia e traumatologia da Faculdade de Medicina da USP.
Dependendo das circunstâncias do tombo, o pedestre pode sair dele com um corte, uma contusão e até com fraturas mais graves, principalmente nas pernas. “Todo dia atendemos pelo menos duas vítimas das calçadas em nosso pronto-socorro”, diz o professor da Santa Casa Cláudio Santili, presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (Sbot). Os tombos cobram um preço alto tanto do pedestre quanto do sistema de saúde.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cada queda custa, em média, 2 500 reais. Estão incluídos nesse cálculo despesas com resgate e atendimento médico e hospitalar, além dos prejuízos com a perda de produção devido a afastamentos do trabalho. Se levarmos em conta a população que cai todo ano na cidade, o prejuízo atingirá 250 milhões de reais.
Um simples desnível com pedras soltas significou o fim do sonho de ser promotora pública para a advogada Carla Zucchi Weissheimer. Depois de cair numa calçada em frente a uma agência bancária na Aclimação, em 2006, ela teve de interromper os estudos para o concurso e nunca mais conseguiu retomá-los. Quebrou o tornozelo, vários ossos do pé, rompeu ligamentos e machucou o punho. Sem poder pisar, passou dois anos afastada do trabalho e do cursinho preparatório.
No ano passado, moveu uma ação contra o banco e a prefeitura. Ela pede cerca de 50 000 reais por danos morais e materiais. Nesta terça (31) terá sua primeira audiência com o juiz. “Esse tombo mudou a minha vida, ainda sinto dores e continuo fazendo tratamento”, conta Carla, que passou a orientar juridicamente outras dez vítimas do mesmo tipo de incidente.
Segundo a coordenadora institucional da Pro Teste (associação brasileira de defesa do consumidor), Maria Inês Dolci, quedas em calçadas são acidentes de consumo. Quando um serviço prestado, no caso a conservação das vias, falha e provoca danos às pessoas, o responsável deve ser acionado. Pela lei, a obrigação de deixar os passeios transitáveis é do proprietário do imóvel localizado em frente, mas a fiscalização cabe à prefeitura. Ou seja, caso não haja acordo, os dois podem ser processados judicialmente.
Até agosto deste ano, 1 779 imóveis receberam punições que variam de 96,33 a 192,66 reais porque os proprietários não conservaram suas calçadas adequadamente. “O poder público não tem como verificar tudo”, afirma o consultor internacional em segurança viária do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Philip Gold, autor de um estudo sobre o assunto. “É preciso mudar a lei para permitir que a prefeitura retome a responsabilidade pelas calçadas, a parte mais fundamental do sistema de transporte.” Outra ideia seria entregar a construção e manutenção dos passeios a concessionárias, nos moldes das rodovias estaduais. “Em vez de fiscalizar milhares de proprietários de imóveis, a prefeitura se concentraria em poucas empresas.”
‘Aconteceu comigo’
Também fui uma das vítimas das calçadas malconservadas da cidade. Durante meu treino de corrida na Cidade Universitária, no último dia 2, tropecei numa elevação no caminho e, para não cair com o rosto no chão, apoiei todo o meu peso nas mãos e soltei um longo aaaiii. Saldo do acidente: mão esquerda ralada, um dos ossos do dedo indicador direito fraturado e muita dor. Um pesadelo para uma jornalista destra.
Quando cheguei ao prontosocorro e contei minha história, o ortopedista me olhou com cara de quem já tinha visto esse filme. “Todo dia recebo alguém machucado por causa de queda em calçada”, afirmou Juliano Franco da Silva, da Ortocity. Imobilizada e sem poder digitar nem escrever, fiquei longe do trabalho por quinze dias e virei canhota na marra.
Há dez dias, troquei as faixas e a tala de alumínio por outra, desta vez móvel, que se tornou minha companheira de todas as horas. Só posso me libertar dela no banho e nas sessões diárias de fisioterapia. Nesta segunda (30), volto ao médico e espero que ele decrete minha alforria da imobilização para sempre. Depois dessa, ficarei cheia de dedos para caminhar por aí. Se alguém conhecido cruzar comigo e eu não o cumprimentar, é porque estou olhando atentamente para o chão.