Para coibir sexo, Ibirapuera poda arbustos e reforça policiamento
Quando anoitece, jovens aproveitam áreas escondidas para transar ao ar livre
Tal qual o personagem Mr. Hyde, do filme O Médico e o Monstro, o Ibirapuera apresenta dois perfis. Durante o dia, suas pistas de corrida lotam de esportistas e seus espaços enchem de pais com crianças que chegam para fazer piquenique, trilhas, andar de bicicleta e brincar nos parquinhos. Mas, ao entardecer, sobretudo aos domingos, o cenário muda completamente. Famílias dão lugar a uma multidão de jovens — incluindo adolescentes — que se reúnem para consumir bebidas alcoólicas, fumar narguilé e participar do chamado rolezinho do beijo. Não raro, o programa termina em sexo explícito nos pontos mais isolados do parque.
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O esquema tem início por volta das 18 horas, na área da marquise, onde os grupos são divididos de acordo com a orientação sexual (héteros, lésbicas e gays), anunciada aos gritos, como se fosse uma feira livre. De lá, uma boa parte segue para um gramado ali por perto, local conhecido como “bananal”, vizinho do Viveiro Manequinho Lopes, onde ocorrem verdadeiras orgias.
A farra acontece há pelo menos três anos, mas só passou a ser coibida no fim de janeiro, depois que duas mulheres foram estupradas no pedaço num mesmo fim de semana. Uma delas, de 16 anos, relatou à polícia que foi molestada nas proximidades do “bananal” por um sujeito que conheceu no próprio parque. Outra, de 18, contou ter sido abordada por seis homens enquanto transava com outro rapaz (um desconhecido, que acabou fugindo com o celular dela), e obrigada a fazer sexo com todos eles.
Na época, a garota admitiu ter consumido bebida alcoólica e cocaína. Até hoje, nenhum dos dois casos foi solucionado. O garoto que roubou o telefone de uma das vítimas chegou a ser preso e foi liberado depois de pagar fiança. Na época, os policiais alegaram que não era possível indiciar mais ninguém porque as meninas não reconheceram os autores, e não há imagens de câmeras nem testemunhas.
A primeira providência tomada pela administração do lugar para tentar inibir os rolezinhos, e, assim, o sexo e a violência, consistiu em podar, no início do ano, as moitas (sim, sobrou para os arbustos!), que serviam de esconderijo para os casais. Há menos de dois meses, outras três medidas foram adotadas. Em junho, o Manequinho Lopes, que funcionava das 7 às 18 horas, passou a fechar nos fins de semana e a partir das 16 horas de segunda a sexta.
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Um comunicado na porta diz que a decisão foi tomada para garantir a integridade do patrimônio público e a segurança dos servidores e usuários (os frequentadores dos rolezinhos usavam também o viveiro). Duas semanas atrás, foi montada uma guarita da Guarda Civil Metropolitana no portão 7, bem na entrada do “bananal”. O novo posto está em obras e será inaugurado oficialmente em agosto, mas já abriga vigias durante o dia. O Bosque de Leitura, ao lado do viveiro, ganhou iluminação extra e teve uma cerca de arbustos removida.
As iniciativas não agradaram a todos. O Parque Ibirapuera Conservação, entidade sem fins lucrativos que tem por objetivo promover a manutenção e melhorias no local, postou há algumas semanas em sua página no Facebook críticas a ações como a poda de parte da cobertura verde. “Evidentemente, a vegetação não tem nada que ver com o peixe. O problema é a falta de uma política de vigilância atenta e eficaz”, diz o texto.
A ONG também critica a limitação do horário do Manequinho Lopes. Segundo a direção da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, responsável pelo Ibirapuera, a vegetação foi rebaixada não apenas nas imediações do viveiro, mas em todo o parque, com a finalidade de coibir atos inadequados e evitar que frequentadores se aproximem da área do lago e corram risco de vida. Ainda de acordo com o órgão da prefeitura, a restrição das visitas ao viveiro foi necessária porque o lugar estava sofrendo depredações constantes, com a destruição das estufas, de plantas e de equipamentos de irrigação.
Na noite de domingo (10), VEJA SÃO PAULO esteve na marquise e no Manequinho Lopes para acompanhar um dos rolezinhos e ver se as ações da prefeitura estão surtindo efeito. De fato, a concentração de jovens estava bem menor que a de um ano atrás. “Depois que cortaram o mato, pouca gente se arrisca a vir. Além disso, os guardas fazem ronda o tempo todo, jogando luz alta nos casais”, comentou um dos frequentadores, que preferiu não se identificar. “Muitos estão em busca de um novo ‘bananal’”, concluiu. Ainda assim, havia algumas dezenas de pessoas bebendo, fumando e dirigindo-se, em pequenos grupos, para o que restou da vegetação.
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Na manhã seguinte, o chão das áreas utilizadas estava repleto de garrafas de bebidas, embalagens coloridas de preservativo, papel higiênico e camisinhas usadas. Vários frequentadores do parque ouvidos pela reportagem disseram que evitam a região justamente por isso. “Venho aqui pela manhã, mas às segundas isso vira um ‘lixão’”, reclama a orientadora de alimentação funcional Patricia Trufeli, de 46 anos.
Outros, como é o caso do empresário Lucas Gil, 32, desviam-se do local porque temem o assédio. “Uma vez passei com um amigo ao lado do ‘bananal’ e fomos cercados por dois caras. Resolvemos ir embora para evitar confusão”, revela. “Uma amiga minha estava treinando em um dia desses perto das árvores, quando um rapaz abaixou a calça e saiu correndo em sua direção. Ela ficou muito assustada”, diz o autônomo João Simon, 26.
Relatos como esses mostram que, a despeito da mobilização recente da administração para corrigir as falhas de segurança e preservar o patrimônio do Ibirapuera, há muito que fazer. O parque e a grande maioria de seus frequentadores já sofreram além da conta com a turma que tenta transformar a mais nobre área verde da capital em um motel a céu aberto.