O caos do maior empreendimento embargado na capital
Construtora começa a devolver dinheiro a clientes que compraram apartamentos no luxuoso Parque Global, às margens do Rio Pinheiros
Em fevereiro de 2014, a advogada Alessandra Nuzzo desembolsou 160 000 reais pela entrada de um apartamento de 1,7 milhão de reais no Parque Global, luxuoso empreendimento que seria construído em uma das áreas mais nobres da capital, próximo ao Parque Burle Marx, na Zona Sul. Comprado na planta, o imóvel deveria ser entregue à proprietária até o fim de 2016. O início da obra, no entanto, foi embargado pela Justiça em agosto de 2014, principalmente por problemas ambientais e urbanísticos.
Sem vislumbrar mudança no quadro, Alessandra recorreu à Justiça e, após dois anos de angústia, seu drama finalmente está próximo de uma solução. Um acordo a ser acertado em breve com a construtora deve lhe garantir a devolução integral do valor investido, em até dez parcelas. “Sinto como se eu tivesse entrado na Disney, vivido um sonho e depois tudo sumiu”, diz.
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Localizado às margens do Rio Pinheiros, o Parque Global foi lançado em 2013 como um complexo com apartamentos residenciais de alto padrão, torres de escritórios comerciais, hotel e shopping center espalhados por 218 000 metros quadrados. Caso saísse do papel, seria o segundo maior empreendimento da capital, atrás apenas do Jardim das Perdizes, na Barra Funda. Inicialmente, todas as licenças para a construção foram obtidas junto a órgãos municipais e estaduais pela construtora Bueno Netto. Em 2014, porém, o Ministério Público denunciou problemas no projeto.
Uma das mais importantes dizia respeito à contaminação do solo, utilizado entre as décadas de 70 e 90 pela antiga companhia Light, atual Eletropaulo, como depósito para o lodo dragado no Rio Pinheiros. Esse trabalho realizado durante trinta anos levou o lugar a registrar alta incidência de zinco e manganês, entre outros metais prejudiciais à saúde quando acumulados em excesso.
Para as obras serem realizadas, o MP fez um pedido: a retirada de 650 000 metros cúbicos de terra poluída. Segundo a direção da Bueno Netto, essa determinação inviabiliza o negócio. “Seria necessário gastar mais de 1 bilhão de reais nesse processo”, afirma o diretor jurídico do grupo, Pedro Lima. “Há ainda a questão do destino adequado desse material, que não pode ser incinerado para evitar a poluição atmosférica de corrente”, completa. De acordo com o plano original, que foi aprovado pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), a construtora cobriria a área infectada com 307 200 metros cúbicos de terra.
Apesar disso, o MP manteve-se irredutível. “Estão querendo apenas empurrar a sujeira para baixo do tapete”, diz a promotora Cláudia Fedeli. Sem acordo, a encrenca terminou na Justiça, que embargou a obra. O próximo passo será a realização de novas perícias técnicas. “Temos a esperança de reverter a decisão, mas o caso continua indefinido”, afirma Luciano Amaral, diretor-geral da incorporadora da Bueno Netto. O prejuízo estimado pela companhia é da ordem de mais de 500 milhões de reais, entre gastos com publicidade, obtenção de licenças e manutenção do espaço. Fora os 800 milhões de reais investido sna compra do terreno problemático.
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A construtora iniciou em julho a devolução do dinheiro pago pelos donos dos imóveis. São cerca de 300 clientes, que embolsarão valores entre 100 000 e 3 milhões de reais, relativos à entrada e às parcelas pagas. “Pretendemos finalizar as negociações com os últimos proprietários até o fim do ano”, diz Amaral. Como os acordos incluem cláusulas de confidencialidade, quem foi agraciado com os depósitos pede anonimato.
“Vou apenas recuperar o meu investimento”, explica um comerciante de Perdizes, que em setembro recebeu a primeira parcela de 40 000 reais dos 241 000 reais devidos. “Não solicitei indenização porque queria encerrar logo o processo”, explica. A empreiteira deve restituir um total de 120 milhões de reais até o ano que vem.
CRONOLOGIA
Anos 70 a 90
A Light, atual Eletropaulo, deposita lodo do Rio Pinheiros no terreno
2003
A empresa Bueno Netto compra a área por 800 milhões de reais
2013
É lançado o Parque Global
2014
A Justiça embarga a obra após denúncia do Ministério Público
2016
Compradores começam a receber o dinheiro de volta