Os detalhes do novo projeto da prefeitura para o Parque Augusta
O imbróglio dura mais de quatro décadas
Encravado em uma região carregada de cinza na metrópole, um terreno de 23 000 metros quadrados localizado entre as ruas Augusta, Marquês de Paranaguá e Caio Prado, no centro, se destaca em meio aos prédios. Há ali exemplares de árvores nativas da Mata Atlântica que sobreviveram à implacável especulação imobiliária, como cereja-do-rio-grande, jacarandá e pitangueira.
O cobiçado espaço é alvo de disputas há décadas. Desde os anos 70, rolam discussões sobre as possíveis destinações da área. Nos últimos tempos, vários grupos de moradores e ativistas passaram a defender a abertura de um parque ali. Chegaram até a promover acampamentos no lugar para chamar atenção para essa causa.
Em 2013, Fernando Haddad aprovou um projeto de lei que determinava a criação do parque, mas o plano não foi para a frente por falta de dinheiro. Dois anos depois, o mesmo prefeito aprovou um projeto de intervenção no espaço apresentado pelas construtoras Cyrela e Setin, as donas do terreno.
Elas planejavam erguer quatro prédios de onze andares e manter intocados 60% da área verde, que ficaria aberta ao público. Em 2016, no entanto, uma ação civil do Ministério Público de São Paulo barrou a iniciativa sob a alegação de que os proprietários haviam descuidado da preservação da cobertura vegetal.
Na semana passada, a novela do parque teve um novo capítulo, quando a equipe de João Doria apresentou seu plano para tentar resolver o impasse. Segundo a proposta, a Cyrela e a Setin trocarão o terreno da discórdia por outro, na Zona Oeste.
As construtoras teriam o direito de usar, de acordo com as primeiras estimativas, 18 000 metros quadrados — de um total de 50 000 — de um lote na Rua Sumidouro onde ficam hoje a prefeitura regional de Pinheiros e um escritório da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).
Em um prazo ainda a ser definido, as empresas comprometem-se a construir o Parque Augusta, um centro de acolhimento para moradores de rua (cogita-se fazê-lo na região da Cracolândia) e uma creche, além de reformar e cuidar da manutenção por dois anos das praças Victor Civita, em Pinheiros, e Roosevelt, no centro — essa última deve ser ligada ao parque por um bulevar na Rua Gravataí.
Elas também ficam responsáveis por erguer um novo edifício para abrigar a regional de Pinheiros e o departamento da CET. Trabalham nesses locais cerca de 400 funcionários públicos. “Há infiltrações, vazamentos, falta de tomadas, sem falar na subutilização dos espaços, que ficaram grandes demais para a quantidade de servidores”, diz Paulo Mathias, prefeito regional de Pinheiros. “A parte do terreno da Zona Oeste que ficar fora do acordo poderá ser vendida depois, e o dinheiro será revertido para a metrópole”, acrescenta o secretário de Negócios Jurídicos, Anderson Pomini.
O time de Doria já conta com um projeto básico do novo parque. O público deverá encontrar ali 3,6 quilômetros de trilhas, uma arquibancada e um deque de madeira com 850 metros quadrados, cachorródromo, clareira de grama, cascata, espaço de 600 metros quadrados para a colocação de redes de descanso, equipamentos de ginástica e playground.
Herança do antigo colégio Des Oiseaux, ocupante do espaço entre 1907 e 1969, a casa tombada de 140 metros quadrados que existe no local abrigará atividades culturais. Os muros do entorno devem ser derrubados, mas as antigas arcadas dessas construções serão mantidas, assim como os portões principais das ruas Caio Prado e Augusta (essa ganhará uma segunda entrada).
O custo de implantação é estimado em até 12 milhões de reais. Para chegar a esse modelo, o secretário do Verde e Meio Ambiente, Gilberto Natalini, compilou cinco projetos enviados por ativistas do Parque Augusta nos últimos anos. “Trata-se da única área verde dessa região”, diz ele. “É uma vitória.”
Pegos de surpresa pelo anúncio da prefeitura, alguns dos grupos ligados à causa ainda se mostram reticentes quanto ao negócio. “Queremos ter acesso aos cálculos para saber se a troca será justa”, diz o arquiteto Augusto Aneas, um dos representantes do Movimento Parque Augusta.
Há quem já se posicione a favor da proposta. “Achei uma boa solução”, afirma a advogada Célia Marcondes, da Associação de Moradores de Cerqueira César. Ela luta há duas décadas pelo espaço verde. Em 2001, criou o primeiro abaixo-assinado pedindo um parque ali. “Em 2004, anunciaram que abririam um supermercado na área. De tanto brigarmos, a empresa desistiu”, lembra.
Além de vencer resistências entre a população, a prefeitura precisa submeter a ideia à aprovação da Justiça e da Câmara Municipal. Em 2 de agosto, acontecerá uma audiência de conciliação entre as três partes envolvidas no caso (MP-SP, construtoras e municipalidade). “Teríamos de abrir mão de um projeto pronto para começar do zero, mas estamos dispostos a topar o acordo”, afirma Antonio Setin, presidente da Setin.
Se todos aceitarem a proposta, o caso seguirá para a apreciação dos vereadores. “Não acho muito inteligente a divisão do terreno da Sumidouro. O que vale mais é a gleba inteira, não parte dela”, afirma o vereador José Police Neto, do PSD, da base aliada de Doria, dando uma ideia de como deverá ser duro o embate com o Legislativo. “Entregar um espaço em uma localização mais valorizada e privilegiada, sem licitação, não me parece a melhor saída”, critica o arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, ex vereador do PT.
Segundo alguns especialistas de mercado, a troca é equivalente, em termos de valores. “O metro quadrado médio da Augusta custa 12 000 reais e o da Zona Oeste está avaliado em 13 000 reais”, compara Flavio Amary, presidente do Secovi, o sindicato da habitação.
O espaço oferecido em Pinheiros possui menos limitações para construção, de acordo com a lei atual. Na área de 18 000 metros quadrados, é possível subir um prédio de 72 000 metros quadrados com cerca de 25 andares, por exemplo, algo impossível de ocorrer naquele trecho da Augusta, onde os edifícios não podem ter mais que onze andares.
“No acordo que está sendo feito, não deixaremos Cyrela e Setin erguer nem um andar além do que for justo”, garante a secretária municipal de Urbanismo e Licenciamento, Heloisa Proença. Ela lembra ainda que as construtoras terão de bancar todas as contrapartidas, cujo valor total é estimado em 30 milhões de reais. “A cidade não vai perder um centavo sequer”, completa.
A ideia de transformar áreas públicas após acordos com a iniciativa privada se mostra uma das grandes apostas da gestão Doria. No início de julho, a prefeitura aprovou em primeira instância na Câmara Municipal um pacote que prevê a concessão de bens públicos a empresas, incluindo parques como o Ibirapuera. Uma segunda votação do projeto está prevista para agosto.
Na semana passada, em parceria com a USP, Doria divulgou detalhes do projeto que prevê uma série de melhorias na raia olímpica do local e a substituição da parede de concreto de 2,2 quilômetros de extensão que separa a área da Marginal Pinheiros por um painel de vidro.
Orçada em cerca de 15 milhões de reais, a obra será totalmente custeada por empresas privadas. Ela deve ficar pronta até janeiro de 2018.
Seu antecessor, Fernando Haddad, fracassou em projetos desse tipo, como a parceria público-privada para trocar a iluminação da cidade, que nunca saiu do papel. No caso do Parque Augusta, o ex-prefeito planejava usar recursos recuperados na Justiça para compor a área. Em 2016, o MP fechou acordo com um banco suíço e outro americano para evitar um processo sob a alegação de que essas instituições financeiras haviam recebido dinheiro ilegal do ex-prefeito Paulo Maluf, proveniente de obras superfaturadas.
Pelo acerto, cerca de 100 milhões de reais seriam doados ao município. Na época, Haddad “carimbou” o dinheiro para que ele fosse utilizado na viabilização da nova área verde. Doria achou melhor rever o negócio. “No meio de uma crise, não faz sentido usar 100 milhões na construção de um parque”, diz. Ele promete destinar os valores do processo de Maluf ao caixa de áreas como educação e saúde, como um reforço. Falta agora convencer a todos que encontrou a melhor solução para a novela do terreno da Augusta.
CASCATA E PLAYGROUND
Os detalhes do plano do Executivo para o parque
Siga as trilhas. Três caminhos, de cimento, pedra e terra, com 3,6 quilômetros de extensão no total, contornarão o terreno.
Crianças e idosos. A prefeitura pretende construir um playground de 500 metros quadrados e instalar quatro equipamentos de ginástica voltados para a terceira idade.
Para lotar. O projeto prevê a criação de uma arquibancada com 413 metros quadrados conjugada com um deque de 440 metros quadrados.
Parte aquática. A ideia é aproveitar a abundância de água subterrânea para produzir uma cascata de 305 metros quadrados. Haverá também um espaço no bosque onde poderão ser penduradas redes de descanso.