Orquestras estadual e municipal anunciam novos maestros após polêmicas
Nova-iorquina Marin Alsop assume regência da Osesp, que tinha John Neschling como titular
As duas últimas semanas agitaram o universo da música clássica na cidade. No dia 10, o oboísta gaúcho Alex Klein renunciou à regência da Orquestra Sinfônica Municipal (OSM) e ao comando do Teatro Municipal. Saiu vociferando contra a inapetência dos músicos e a interferência excessiva do secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil, que o convidou para as duas funções quatro meses atrás. O substituto dele já está definido. Será o regente paulistano Abel Rocha, a quem caberá a espinhosa missão de apaziguar os ânimos de seus comandados e definir a toque de caixa a programação especial em homenagem ao centenário do teatro, a ser comemorado em setembro.
Dois dias depois, no sábado (12), outra notícia despertou ruidosos bochichos no meio erudito: a contratação da nova-iorquina Marin Alsop como maestrina titular da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Anunciada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo editor Luiz Schwarcz, membros da fundação que administra a instituição, ela vai substituir o francês Yan Pascal Tortelier, responsável pelas temporadas de 2009 a 2011.
A escolha de Marin Alsop põe fim a uma indefinição iniciada em janeiro de 2009, quando o carioca John Neschling, o antigo mandachuva, foi demitido. Responsável por fazer da Osesp o mais importante conjunto sinfônico do país, ele acumulava os cargos de diretor artístico e de regente titular. A primeira função foi transferida para o crítico musical Arthur Nestrovski e a batuta, provisoriamente, passou para as mãos de Tortelier. Um comitê formado por dois consultores internacionais, músicos e conselheiros da orquestra chegou ao nome de Marin. Com contrato de cinco anos a partir de 2012, ela conduzirá a Osesp por cerca de dez semanas a cada ano. Terá de se dividir entre São Paulo e o estado americano de Maryland, onde dirige desde 2007 a Sinfônica de Baltimore. “O período que passarei em São Paulo será igual ao que passo nos Estados Unidos”, diz. “Portanto, haverá tempo de sobra para fazer a diferença.”
Aos 54 anos, a maestrina é tida como uma profissional em ascensão. Já chefiou a Sinfônica de Bournemouth, na Inglaterra, e apresentou-se à frente das filarmônicas de Nova York e Londres. “Ela possui talento, visão e ambição, o que lhe garantiu grande sucesso artístico e comercial”, afirma o crítico musical inglês Norman Lebrecht. Filha de instrumentistas profissionais, Marin diz ter decidido trabalhar com regência aos 9 anos, ao assistir a uma apresentação do lendário maestro Leonard Bernstein, de quem foi pupila a partir da década de 80.
“Com excelente trânsito no mundo erudito internacional, Marin nos ajudará a divulgar nosso trabalho por outros países”, acredita Nestrovski. Ela não estará sozinha nessa missão. Regente titular do Coro da Rádio da Holanda e professor de regência coral do Conservatório de Genebra, na Suíça, o paulistano Celso Antunes foi contratado como maestro associado. Ele deverá dirigir seis concertos a cada temporada, o mesmo número de vezes em que a orquestra ficará a cargo de Tortelier, agora alçado ao posto de regente de honra.
A direção da Osesp não divulga quanto cada um dos novos funcionários vai ganhar. “A soma do meu salário com o da nova maestrina, incluindo gastos com passagens e hospedagem, é menor que a quantia que Neschling recebia”, limita-se a afirmar o atual diretor artístico. “Tenho certeza de que os salários daqueles que no fundo fazem a mesma coisa que eu fazia ultrapassam, e muito, o que se gastava comigo”, rebate John Neschling, que recebia cerca de 100.000 reais por mês.
Com um contracheque mais modesto, de 35.000 reais, Alex Klein abandonou o Teatro Municipal e a OSM soltando farpas. “Muitas decisões eram tomadas sem o meu conhecimento, o que me tornava irrelevante”, diz. A crise nos bastidores do teatro-símbolo da cidade não poderia ocorrer em momento mais inoportuno: em reforma desde 2008, a casa deverá ganhar nova programação e ser reaberta em junho. O estopim para a saída de Klein foi o Concerto de Gala, previsto para 12 de setembro, em comemoração aos 100 anos da instituição. Segundo ele, a apresentação musical foi cancelada para dar lugar à encenação da ópera “Rigoletto”, com direção de Felipe Hirsch e cenário de Daniela Thomas. “O concerto não chegou a ser cancelado”, replica Calil. “Como o maestro não morava em São Paulo e tinha frequentes compromissos fora do país, era difícil dialogar para solucionar os problemas rapidamente.”
Klein dispara ainda contra Beatriz Franco do Amaral, a diretora do teatro responsável pelo orçamento, contratos e obras. “Ela não entende de arte e é desqualificada para o cargo.” Virtuose do oboé, Klein trilhou uma bem-sucedida carreira na Sinfônica de Chicago e, atualmente, coordena o Festival de Música de Santa Catarina. “Minha integridade não tem preço”, diz. Pôr ordem na casa cabe agora a Abel Rocha. Atual comandante da Companhia Brasileira de Ópera, ele dirigiu a Banda Sinfônica do Estado e o Coral Paulistano, um dos seis corpos artísticos do Municipal. “O teatro é um organismo público e, por isso, segue determinadas regras”, acredita Rocha. “Mas nenhuma delas impede ou limita o projeto artístico que tenho para ele.”
Um possível entrave para a fluidez de seu trabalho será a integração com os 108 músicos da OSM. Em junho, os instrumentistas pediram — e conseguiram — a cabeça do então titular Rodrigo de Carvalho. A relação com Klein não foi menos conflituosa. Fala-se nas coxias que os músicos estavam descontentes com a rígida rotina de ensaios imposta pelo condutor. O novo dono da batuta reuniu-se com o grupo na semana passada. Ouviu dos profissionais questionamentos e reclamações, por exemplo, acerca da precariedade dos contratos artísticos, que precisam ser renovados a cada três meses. À frente da OSM, Rocha enfrentará o desafio de torná-la cada vez mais ativa e relevante, tarefa que também compete a Marin Alsop no comando da Osesp. Haja o barulho que houver.