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Primórdios da hipsterlândia

por Edward Pimenta

Por Da Redação
Atualizado em 1 jun 2017, 16h22 - Publicado em 25 jan 2016, 11h35
Malagueta, Perus e Bacanaço
Malagueta, Perus e Bacanaço (Pedro Farkas/Divulgação/)
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O ano em que São Paulo completa 462 anos de fundação marca também os vinte anos da morte do jornalista e escritor João Antônio, autor do clássico Malagueta, Perus e Bacanaço, publicado originalmente em 1963 com estrondoso sucesso de crítica.

A história dos três “viradores” que percorrem bairros do centro de São Paulo em busca de algum trocado nos salões de sinuca rendeu a João Antônio muitos prêmios, entre eles dois Jabuti.

Virou filme (fraco) com Gianfrancesco Guarnieri, Lima Duarte e Maurício do Valle no papel dos três personagens.

O crítico literário Antonio Candido chegou a insinuar que João Antônio estava prestes a ocupar o trono da literatura paulista no vácuo que se viu depois dos modernistas, posição que nunca ocupou e que aparentemente está vaga até hoje.

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A prosa esperta que descreve desapaixonadamente as agruras dos proletários foi incensada por intelectuais que o autor um dia chamou ironicamente de esquerda festiva. “Ler João Antônio era uma forma de protesto”, dizia o escritor gaúcho Moacyr Scliar.

Se fosse vivo, o autor – que trabalhou nas redações do Jornal do Brasil, Realidade, Manchete e Pasquim – seria guindado ao status de herói pelos hipsters que hoje habitam o bairro de Pinheiros.

Ironicamente, a carreira de João Antônio começou a declinar no exato momento em que passou a levar muito a sério o título de escritor marginal oficial da esquerda. Sua prosa então glamourizava a pobreza e nunca mais alcançou os registros originais (e universais) do conto que o revelou.

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Em uma das mais inspiradas passagens do conto, o autor descreve como era, na década de 1960, o bairro de São Paulo em que hoje a fina flor dos publicitários, criativos, produtores culturais, ativistas, jornalistas (eu, inclusive) e empreendedores digitais convivem alegremente em suas bicicletas importadas, vestidinhos floridos, camisas xadrezes e negronis de trinta reais.

Pensando bem, não faz muito tempo que o Largo da Batata era um lugar meio barra pesada. Transcrevi abaixo o trecho de que mais gosto para comemorar o aniversário da cidade. Um oferecimento do estúdio Abril Branded Content, o ABC, porque, afinal, o ABC faz parte da grande São Paulo:

“Quase quatro horas da manhã. Terminaram a Teodoro Sampaio, com mais um pouco, Malagueta, Perus e Bacanaço estariam no centro do bairro, alcançariam o Largo de Pinheiros. Havia em Pinheiros, junto ao posto maior de gasolina, a Pastelaria Chinesa, fecha-nunca de rumor e movimento, que se plantava defronte aos pontos iniciais dos bondes e ônibus, que dali seguiam para todos os cantos da cidade. A Chinesa fervia, dia e noite sem parar, que ônibus expressos vindos de longe, ou caminhões de romeiros de São Bom Jesus de Pirapora e de Aparecida do Norte ali faziam escala para reabastecimento, paradas, baldeações… Ali se promiscuiam tipos vadios, viradores, viajantes, esmoleiros, operários, negociantes, romeiros, condutores, surrupiadores de carteira, estudantes, mulheres da vida, bêbados, tipos sonolentos e vindos da gafieira famosa do bairro, o Tangará; apostadores chegados do hipódromo de Cidade Jardim… Sobressaiam-se em número os japoneses, calados, cordiais, laboriosos, em trânsito para o mercado de Pinheiros ou para a vida do comércio nas lojas, nos armazéns, nos botequins. Os japoneses, com suas caras redondas e seus modos de falar sorrindo e meneando a cabeça eram os donos do bairro. A Chinesa, um ponto central, dia e noite. Movimentos vibravam, vozerio, retinir de xícaras, buzinas. Corriam ali muitas modalidades de negócio miúdo e graúdo. Tabacaria, prateleira de frutas, engraxates, banca de jornais e livros e revistas e folhetos de modinhas e histórias de Lampeão, de Dioguinho e revistas japonesas, restaurante popular ao fundo, davam assuntos e oportunidades. E aproveitadores proliferavam na confusão, desde o homem triste que vendia maçã de brinquedo até o virador loquaz que aplicava engodos, contos aos caipiras, aos pacatos, aos basbaques, vendendo-lhes terrenos imaginários ou penduricalhos milagrosos, adornos Reluzentes ou falsas peças de tecidos famosos com auréola inglesa. Chegado de outros cantos da cidade, dos interiores de São Paulo e do norte do Paraná, o dinheiro ali corria.”

Vista aérea da Ponte Eusébio Matoso, na Marginal Pinheiros
Vista aérea da Ponte Eusébio Matoso, na Marginal Pinheiros ()
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