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O torcedor

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Como nasce um torcedor? Que trama de escolhas leva alguém, desde criança, mas não necessariamente desde criança, a identificar-se com um conjunto de cores, feitos, pessoas, atitudes que formam um time de futebol?

A história do clube terá influência? Na fase infantil, é certo que não. Criança não sabe nada das histórias do time, não acumulou títulos na memória, não sabe de jornadas históricas, de jogadas inesquecíveis, de heróis do passado. Não é isso que a fisga, é alguma coisa do presente. O que será?

As cores, talvez? Pode ser que uma criança tenha preferência por alguma cor, mas que ela vá ligar isso a um time de futebol, sei não. Para complicar, a maioria dos clubes tem duas cores, alguns três. Alvinegro, rubro-negro, tricolor – esses nomes e as cores que nomeiam terão algum peso na escolha? Colorado poderia ter, porque é uma palavra sonora, mas no geral… Tem não.

A influência dos pais é forte, com certeza, mas não definitiva, não vale para todos. Sei de casos. Seu Dino, por exemplo, era torcedor do Vila Nova, time guerreiro de Nova Lima, cidadezinha perto de Belo Horizonte, celeiro que deu craques até para a seleção brasileira dos anos 1930. Por que todos os filhos de seu Dino, os oito, se tornaram atleticanos? E por que um, só um, mais tarde se bandeou para o América e não para o Vila? Deixaram seu Dino só. Torcia calado, abafado, minoria absoluta. Quando o valoroso Vila ganhou o supercampeo-nato de 1951 em cima do Atlético, seu Dino, introspectivo, fechou a alegria no coração, saiu calado de casa, foi até a Serra do Curral, que separa as duas cidades, estourou meia dúzia de foguetes, voltou, tomou com a família seu café domingueiro com pudim de pão e não dirigiu uma palavra de gozação para a filharada entristecida.

O que, então, faz nascer o palmeirense, o flamenguista, o vascaíno, o santista, o botafoguense, o ponte-pretano? Pode acontecer que pequenos colegas do pré-primário arruínem a influência paterna. Meu neto já estava encaminhado para ser corintiano, com camiseta, bola, chuteira, hino e o mais. Depois de um semestre na nova escola, ele veio com esta: “Pai, eu posso torcer para o São Paulo?”. Veio jeitoso, não querendo magoar. O pai até admite, relutante, mas já avisou: não vai aos jogos com ele, não vai ficar no meio da torcida rival: “Aí já é demais”.

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As vitórias, as glórias, os gritos dos locutores, o rumor da torcida, os títulos – será isso que faz nascer o torcedor de um clube? O Santos avassalador dos anos 1960 conquistou multidões. Mas o Corinthians, que passou 23 anos sem ganhar o título paulista, cresceu muito mais. Existem torcedores que não resistem a derrotas e mudam de lado; o normal, no entanto, é agüentar a gozação e aguardar a vez.

Uma coisa parece ser verdadeira: a relação cresce forte é com os times da própria terra, da própria cidade. Torcer é uma forma de bairrismo. Era. Sei lá. Alguém pode até gostar de um Barcelona, um Manchester United, um Boca Juniors – mas acaba sendo só amizade, simpatia. Em futebol, o que conta é amor e paixão. O homem dos estádios pode trair a mulher e até bater nela, mas ao time ele é fiel e trata bem. Quando alguém muda de cidade, já adulto, e escolhe um novo time, torna-se aquele torcedor sem paixão, simpatizante que só fica sabendo do resultado pelo jornal. Mas nem isso é inteira verdade. O escritor José Lins do Rego nasceu na Paraíba e foi ser Flamengo doente no Rio de Janeiro.

Essa escolha é um dos mistérios da alma humana, que depois se mostra em impressionantes espetáculos coloridos de cantos, fantasias, pinturas corporais, danças, brados, urros. Ninguém ensaia, e tudo dá certo. Mistério.

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