O psiquiatra e a mãe

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 12h30 - Publicado em 9 Maio 2015, 00h00
crônica o psiquiatra e a mãe
crônica o psiquiatra e a mãe (Attilio/)
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O consultório do meu psiquiatra é ali na Vila Madalena. Não deito durante as sessões. É diferente do que acontece nos filmes de Woody Allen. Sentamos em cadeiras confortáveis, de frente um para o outro, e ele faz questão de me olhar nos olhos. Percebi uma ligeira preocupação por parte do especialista quando comecei a contar a história a seguir. Preocupação talvez seja um exagero. Mas o profissional estava atento a um comportamento meu que lhe parecia curioso, no mínimo, e potencialmente significativo, digamos assim. Tentava explicar por que eu havia declarado uma data de aniversário falsa no meu perfil do Facebook. Aconteceu anos atrás, antes de a rede ganhar a dimensão de hoje. Sabia que todas as minhas informações pessoais seriam utilizadas para fins comerciais. A modificação de algumas delas poderia permitir-me rastrear de que maneira isso ocorreria, imaginei.

Não era uma ideia original. Imitava meu pai. Na Califórnia da minha infância, nas décadas de 60 e 70, recebíamos em casa, numa daquelas caixas de correio clássicas, muitos catálogos e propaganda de todo tipo. Comentei com meu pai, certa vez, ao buscar a correspondência, que ninguém conseguia acertar seu nome. “É impressionante”, disse eu, “cada um o escreve de um jeito.” Meu velho explicou que, na verdade, era ele o responsável pelos “erros” de ortografia. Ao assinar uma publicação, contou, e eram muitas (amava revistas e jornais), mudava uma letra no seu nome sempre. “Por quê?”, indaguei, perplexo. “É apenas uma pequena experiência”, res pon deume. Explicou que essas informações são comercializadas, fato surpreendente para mim. Ele achava interessante saber a quem eram vendidos seus dados pessoais.

Aquilo me marcou. Achei fascinante existir um mercado para nomes e endereços, e excêntrico, para não dizer admirável e esperto, o comportamento do meu pai. Ao me cadastrar no Facebook, décadas mais tarde, resolvi fazer algo parecido. Informei que a data do meu nascimento era o dia 9 de outubro, em vez do dia 6.

Foi um desastre. Jamais imaginara que o site publicaria a data, alertando os meus “amigos” com um lembrete de parabéns. Os mais chegados questionaram o dia. Como dizer que o erro não era da rede social, mas proposital e meu? Os outros amigos, mais “virtuais”, me deram parabéns no dia 9, claro. Alguns mencionaram o fato de John Lennon ter nascido na mesma data, criando ainda mais constrangimento da minha parte.

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Passei o meu primeiro aniversário no Facebook tentando me explicar. Foi uma catástrofe. Os poucos que já conheciam a data do meu aniversário acharam estranho. Os outros passaram a me olhar com desconfiança. Minha “pesquisa” colheu muita confusão e pouca informação.

Em algum momento minha mãe me telefona da Califórnia, onde mora. Na época devia ter uns 75 anos de idade. Havia visto a confusão toda na rede, sem fazer comentários. “Filho,” diz, marota, “só queria dizer que você nasceu mesmo foi no dia 6 de outubro.” E dá um tempinho, antes de finalizar: “Eu estava lá”. Ao ouvir o desfecho da história, meu psiquiatra deu risada. Interpretei sua reação como um sinal positivo. Para a minha mãe.

E-mail: matthew@abril.com.br.

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