Não acredito que em algum momento da história os criadores de marcas prestigiosas como Ferrari, Gucci, Prada, Louis Vuitton, Chanel, Ritz, Montblanc, Hermès e tantas outras do mesmo nível consideravam expandir seus negócios para mercados como Guam (ilha americana no Oceano Pacífico), Nicósia (Chipre), Kiev (Ucrânia), Moscou (Rússia), Ulan Bator (Mongólia), Changchun, Changsha, Guangzhou e Urumqi (China).
Entendíamos a atividade do luxo pelo conceito imperativo e absoluto da exclusividade. E muito dessa exclusividade estava relacionado ao acesso restrito. Poucas pessoas consumiam marcas ou serviços de luxo. Falávamos praticamente de mercados tradicionais como França e Itália e, evidentemente, do mercado americano. As últimas três décadas, no entanto, foram marcadas pela expansão significativa da atividade e do consumo de produtos e serviços AAA. Com isso, surgiram novos desafios e oportunidades. Como garantir então o genuíno e fundamental conceito de exclusividade quando a expansão tem sido acelerada, fomentada e trabalhada estrategicamente? Para muitos, o conceito de luxo foi alterado. Os mais conservadores costumam dizer que parte dessas grifes já não pode ser mais considerada de luxo. Para outros, porém, este é o conceito do novo luxo: democrático e internacionalizado. O que fazer? Manter essas marcas poderosas em um patamar discreto, correndo o risco do esquecimento e da contínua fragilidade, ou repensá-las, reinventá-las, profissionalizá-las e internacionalizá-las, garantindo com isso que novos consumidores tenham acesso a elas?
Novos tempos. E nesses novos tempos o conceito de ‘exclusividade’ ganha outros entendimentos. O luxo para poucos expandiu sua base de acesso e consumidores. Marcas que há não muito tempo eram pequenas se tornaram grandes empresas e hoje fazem parte de poderosos conglomerados. O luxo oriundo dos criadores e profissionais de forte intuição cede espaço a executivos de escolas de gestão, e as estratégias precisam ser soberanas à intuição.
O momento expansionista é irreversível. Entretanto, a terceira lei de Newton afirma que toda ação provoca uma reação. A vigorosa expansão origina o aumento do resgate de produtos customizados e personalizados para justamente o “somente meu” ter outra vez espaço e fazer sentido.
Não tem sido e não será diferente no Brasil. Como parte de um mundo globalizado, o consumo e as operações de luxo não estarão mais apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Não há dúvidas, entretanto, de que a liderança de São Paulo, que assume de vez a posição e o reconhecimento de capital do luxo da América Latina, será fortalecida nos próximos anos. O nosso potencial de desenvolvimento e crescimento é extraordinário. A força de São Paulo para o consumo de luxo abrirá espaço para movimentos expansionistas. Ribeirão Preto, Campinas, Macaé, Recife, Fortaleza, Manaus, Brasília, Belo Horizonte e tantas outras cidades brasileiras surgirão como representativas. É necessário repensar a geografia dos afluentes que definem novos patamares de consumo e entregam novas bases de consumidores.
Só uma coisa não muda: produtos e serviços de luxo continuam sendo resultado do total comprometimento com a excelência, da qualidade que surpreende, do raro, do especial, da originalidade. A transformação do ordinário em extraordinário. Do simples em especial. Produtos e serviços que contam histórias, que fascinam e emocionam. O luxo tem alma.