– Artista só pensa em dinheiro e rico só pensa em arte! — comentou, desolado, um conhecido cineasta brasileiro, enquanto saía, de mãos abanando, de um jantar na casa de um banqueiro de quem pretendia conseguir patrocínio para um fi lme. Só se falou dos rumos da pintura e da dramaturgia universal. A frase, hilária, veio-me à cabeça após uma enquete que fi z com pessoas dos mais variados patamares econômicos para saber como cada uma definiria a palavra luxo.
Primeira constatação: quanto mais pobres, mais brilham seus olhos diante de iates, aviões, automóveis e propriedades. Os ricos, por sua vez, declararam desejar descobrir bons livros, ter sempre flores frescas em casa, surpreender-se por revelações transcendentais na área do conhecimento e das artes, não se decepcionar com os amigos… Ou, simplesmente, multiplicar a quantidade de algo que me pareceu ser para eles o mais precioso bem: tempo. Ou seja, luxo custa muito para uns e passa longe dessa sórdida contabilidade para outros.
Mas o que é o luxo, então? Uma noção que varia de pessoa para pessoa?
Corro aos dicionários. Houaiss e Aurélio ensinam que o substantivo define “modo
de vida caracterizado por despesas supérfluas, gosto de ostentação e poder”. Serviria como uma luva para um novo-rico espalhafatoso e sem nenhum refinamento.
Alguns participantes do meu levantamento consideram que o luxo passa, necessariamente, pela noção de exclusividade. Outros o veem como um algo mais, um plus que leva à ideia do supérfl uo. Muitos, ainda, disseram que não há luxo sem refinamento ou prazer.
Vamos tentar entender. Se aceitarmos a ideia de que luxo caminha lado a lado com
exclusividade, não é possível admitir que uma bolsa Hermès de crocodilo, que pode
custar 120 000 reais, seja um artigo de luxo. Se tem lista de espera, não é 100% única. No entanto, sua fabricação consome horas de trabalho de artesãos especializadíssimos, que utilizam refinadas matérias primas. É, portanto, um plus, na vida de qualquer um, e está longe de ser um artigo de primeira necessidade. Logo, entra na categoria dos supérfluos. Ou seja, um luxo.
Já uma roupa de alta-costura é exclusiva e supérflua. Podemos concluir, convictos, tratar-se de um artigo de luxo. Será? Os ricos têm várias dessas peças, vistas como
triviais por eles. O que lhes falta é tempo. Que, por outro lado, é tudo o que meu vizinho desempregado tem — e abomina.
Volto, então, aos dicionários. Se luxo significa ter poder, gastar e ostentar, boa parte de nossos parlamentares poderia ser classificada como expressão máxima do
termo. Deveríamos nos penitenciar de censurá-los e de lhes cassar o mandato? Sentir vergonha por nos chocarmos com o castelo de 25 milhões de reais do deputado mineiro Edmar Moreira, símbolo, que não soubemos entender, do luxo com letra maiúscula? Ignorância é uma praga!
Praga é rara (não acontece sempre), supérflua (ninguém precisa dela), exclusiva
(não acontece em todos os lugares), cara (custa uma nota aos cofres públicos para
ser erradicada) e, embora não seja uma coisa muito refinada e dê pouco prazer por onde passa, ainda é a noção que mais se aproxima da perfeita defi nição de luxo pelo número de atributos que correspondem à nossa tentativa de defi nir o assunto.
Por analogia, então, se praga é luxo e ignorância é uma praga, chegamos à conclusão de que ignorância é um luxo. E estamos conversados.