Vô, você sabe fazer mágica?
A pergunta deixou o avô momentaneamente paralisado. Sabia? Sentiu-se em falta, como se aquela fosse uma coisa que os avôs tinham obrigação de saber, assim como as avós sabem fazer biscoitos. Já ia responder que não, quando se lembrou: peraí, eu sabia algumas.
– Sei essa, ó.
Fez aquela manjada de arrancar um dedo: dobra-se o indicador da mão esquerda, escondendo falanginha e falangeta para dentro da palma, coloca-se o polegar da mão direita dobrado e justaposto nessa dobra, com o indicador da mão direita escondendo a junção, e então, mantendo-se as costas da mão esquerda voltadas para o observador, dedos juntos, desliza-se o polegar direito para fora, fingindo que parte do indicador esquerdo foi arrancada. O truque impressionou – “uau!” – mas não foi suficiente.
– Faz outra.
As crianças hoje não raro topam com mágicos, chamados para animar festinhas de aniversário nos condomínios e nos bufês infantis. Uma mágica depois da outra. Mas o repertório do avô esgotara-se. Ou não? Memória ativada, concordou:
– Só mais esta.
Fez outra de tio antigo: “Presta atenção que meu braço vai crescer, ó, ó, ó” – puxando-o pelo pulso com fingido esforço, para fora da manga do paletó, dando a impressão de que o braço se esticava como o do Homem-Borracha.
– Outra, vô!
Fez uma moeda desaparecer no braço esquerdo esfregando-a na pele (na verdade empurrando-a para dentro da manga do paletó) e reaparecer pelo braço direito abaixo e cair na concha da mão (na verdade, outra moeda colocada previamente na manga direita, enquanto a primeira ele deixava escorregar disfarçadamente para dentro do bolso).
– Legal! Outra!
– Não sei mais.
– Só mais uma.
– Serve de baralho?
Servia. Apanhou as cartas na gaveta, pediu para o neto escolher uma, foi passando carta por carta; depois de feita a escolha, levou o baralho às costas “para embaralhar”, exibiu de novo o baralho para mostrar que a primeira carta não era a escolhida, mas na verdade ela estava atrás do baralho e de frente para ele; memorizou-a, levou o baralho outra vez às costas dizendo que ia embaralhar mais, depois foi passando uma a uma na frente do neto e – “uau!” – apresentou a escolhida.
– Como é que faz, vô? Me ensina!
E aí, ensina ou não ensina? Explicar o truque é tirar a graça da mágica? Mágica é fantasia, mistério. Sabe-se que há um truque, mas isso não lhe tira o encanto. A consciência do real não destrói a capacidade de se impressionar da alma humana, que alimenta os mitos, lendas, fantasmas, a magia, o inexplicável – e a mágica. São muitos os mistérios e pequena a alma. Quando aprendida, a mágica torna o encantado em encantador – e o mundo gira.
– Eu vou ensinar, mas antes vou ao banheiro – disse o avô. Havia se lembrado de uma mágica que Fernando Sabino fazia combinado com Paulo Mendes Campos. Preparou-se e voltou:
– Vamos fazer esta para as visitas, nós dois. Você anuncia que vai tirar a minha camisa puxando a gola por trás sem eu tirar o paletó, e aí me manda abrir o paletó, desabotoar a frente da camisa, assim, ó, os punhos, assim, ó, e agora puxa aqui. Puxa! Puxa a camisa pela gola!
A camisa saiu inteirinha nas mãos do neto, encantado. Como teria passado pela barreira dos braços? Mistério…
O avô ensinou seus truques e passou a se divertir como ajudante do pequeno mágico em festinhas da família.
O mundo gira.