As principais novidades propostas pelo Plano Diretor
As ideias do projeto e os atropelos do processo de sua aprovação na Câmara Municipal
Uma metrópole sem a selva de pedra formada por enormes espigões residenciais. Se não bastasse, essa mesma cidade teria calçadas com o dobro da largura das atuais, mais gente morando perto do transporte público, um cinturão verde na periferia e polos de desenvolvimento econômico nas regiões mais pobres, de forma a evitar os bairros-dormitórios, onde a população é obrigada a se levantar cedo da cama para atravessar quilômetros de trânsito rumo ao trabalho — e encarar o rush na volta no fim do expediente. O local em questão é a São Paulo prevista pelo novo Plano Diretor Estratégico do Município, conjunto de diretrizes para nortear o desenvolvimento da capital nos próximos dezesseis anos (os quadros ao longo da matéria mostram algumas de suas propostas). “O objetivo principal é reduzir as desigualdades daqui”, afirma o vereador Nabil Bonduki (PT), relator do projeto. Arquiteto e urbanista por formação, Bonduki é autor do texto atual, aprovado em 2002 na gestão Marta Suplicy (PT). Boa parte da proposta não saiu do papel, já que Marta e os sucessores José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD) não conseguiram implementar quase 60% das medidas previstas. Bonduki diz que o novo plano é um aprimoramento desse anterior. “Ele é muito mais detalhado, para possibilitar que as ideias realmente possam se tornar realidade”, completa.
A proposta do vereador, no entanto, está longe de obter unanimidade. Na Câmara, a oposição diz que esse Plano Diretor é uma utopia. “Ele imagina uma cidade ideal, mas não define bem as regras de construção daqui por diante”, afirma o vereador Floriano Pesaro (PSDB). Outro motivo de críticas é a velocidade para sua aprovação. Para conseguir resolver tudo antes da Copa, conforme queria o prefeito Fernando Haddad, foi acelerado o ritmo de audiências públicas para discutir o texto. Nos últimos meses, ocorreram mais de cinquenta encontros do tipo. A confusão chegou ao ponto de circularem dois textos diferentes do mesmo Plano Diretor. Na última terça, 15, o desembargador Camargo Pereira, da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, suspendeu o processo até que seja apresentada uma agenda de audiências mais organizada. Sem essas reuniões, a tramitação do projeto no Legislativo fica paralisada. Agora, na hipótese mais otimista, o texto entrará em votação somente no fim do ano. Para alguns especialistas, o atraso será benéfico. “Não podemos empurrar algo desse porte com pressa, sem que a população saiba o que vai acontecer”, defende.
– Menos portarias, mais circulação
O plano incentiva a construção de empreendimentos imobiliários em regiões centrais, que têm melhor infraestrutura de transporte. Nessas áreas, os prédios serão mais altos e com maior número de apartamentos ou salas comerciais. No miolo dos bairros, as construções terão, no máximo, oito andares. “Trazer a população para onde já estão os equipamentos é mais eficiente que esticar o metrô, por exemplo, até os extremos da cidade”, explica o engenheiro Cleyton da Costa, do Departamento de Controle de Uso de Imóveis (Contru). Os novos edifícios também deverão ter estabelecimentos como lojas ou empresas de serviços no térreo. O objetivo é criar mais zonas mistas de comércio e moradia para evitar grandes deslocamentos. Esse modelo de prédio, que lembra bastante o Conjunto Nacional, na Avenida Paulista (na foto ao lado), foi muito adotado na cidade até a década de 70. A largura mínima das calçadas também muda, passando para 5 metros — o dobro da medida atual.
– Espaço limitado para carros
As vagas de estacionamento nos novos edifícios erguidos nas regiões centrais ficarão cada vez mais escassas. O texto prevê taxas pesadas para construções com grandes garagens, e cobrança posterior de IPTU (o plano atual não tributa esse espaço). Um princípio semelhante será adotado para a ocupação do terreno. Quanto maior for a área livre do projeto (ou seja, a não construída), maior será a cobrança de tributos. A fachada do prédio deverá ser rente à rua, sem recuo. Esse aspecto do plano pode acabar, por exemplo, com os condomínios-clubes, que se popularizaram nos últimos anos. O objetivo é otimizar ao máximo esses lugares com mais oferta de moradia e estimular os moradores a utilizar o transporte público.
– Emprego nos extremos
Com 3,9 milhões de habitantes, a Zona Leste concentra 35% da população da capital e apenas 16% dos postos de trabalho da metrópole. Por isso, quase metade das pessoas economicamente ativas que lá vivem se desloca para fora da região para trabalhar, o que superlota o transporte público e as vias de acesso. Para conter a peregrinação, o plano prevê um pacote de estímulos econômicos para levar empresas e empregos até lá. Entre as medidas estão a isenção do IPTU por duas décadas, a suspensão da cobrança do ISS no período de construção e uma redução dessa taxa para 2% após a inauguração (o padrão é 5%). Os benefícios valeriam para os setores de informática, call center, hotelaria, educação e treinamento.
– Zona rural dentro da metrópole
Um espaço de 219 quilômetros quadrados nos distritos de Parelheiros, Grajaú e Marsilac, no extremo sul da capital, onde hoje moram cerca de 27 000 pessoas instaladas em áreas de proteção ambiental, será juridicamente considerado zona rural. Com isso, novos loteamentos ficam proibidos, e a região pode receber verbas federais para estimular a agricultura, o ecoturismo e a preservação dos afluentes da Represa de Guarapiranga (foto). Somando os parques já existentes, como Cantareira e Jaraguá, na Zona Norte, onde não há moradias e são permitidas apenas atividades de pesquisa, educação e turismo, a nova zona rural concebida pelo Plano Diretor vai ocupar quase 30% do território da metrópole e, ao mesmo tempo, concentrar menos de 1% da população.