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“Meu legado será uma PGE mais progressista”, diz nova-procuradora geral

Inês dos Santos Coimbra quer cotas raciais para a categoria, mas criou polêmica ao propor aumento dos salários da própria classe

Por Pedro Carvalho
Atualizado em 19 ago 2022, 12h38 - Publicado em 19 ago 2022, 06h00

No papel de “escritório de advocacia do governo”, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) atua em aproximadamente 2 milhões de processos que envolvem o Executivo paulista. Desde maio, o órgão tem à frente a mineira Inês dos Santos Coimbra, 45. Em pouco tempo, ela trouxe novos ares à instituição — desde atos simbólicos, como levar o bloco afro Ilú Obá De Min para tocar no Palácio dos Bandeirantes (em junho), até mudanças, como o fim dos exames invasivos para mulheres em concursos públicos.

A senhora é a primeira mulher negra a assumir a PGE. Quantas outras existem na procuradoria?

Não cruzamos os dados de gênero e raça. Mas, entre os 816 procuradores da ativa, há 713 que se declaram brancos e apenas sete (autodeclarados) pretos. É um número que choca, mas não surpreende. Arrisco dizer que o mesmo se reproduz nas outras carreiras jurídicas. Sobre gênero, são 360 mulheres e 456 homens. No último concurso, 75% dos aprovados eram homens.

Acha que sua nomeação, portanto, é um gesto político do governador?

Já trabalhei com o Rodrigo (Garcia) em alguns lugares: quando ele foi secretário de Habitação, eu era procuradora-chefe da consultoria jurídica da pasta; em 2019, quando virou vice-governador e secretário de governo, eu exercia essa chefia no palácio e na secretaria. Ele conhecia meu trabalho. Mas, de fato, o Rodrigo é sensível ao tema das mulheres e me parece que isso foi relevante na avaliação. Houve a preocupação de garantir uma representatividade. Eu represento muitas mulheres pretas que precisam enxergar esse caminho como possível. A representatividade não pode ser só uma ideia: ela deve se materializar, ter rosto.

Diz-se que ele queria uma vice mulher na campanha eleitoral.

Exatamente. Mas há a questão das composições… (Foi escolhido o deputado federal Geninho Zuliani, do União Brasil.)

A senhora tem planos para criar uma política de cotas na PGE?

Sim. As cotas se mostraram muito bem-sucedidas, não vejo outra forma de trazer um mínimo equilíbrio (ao órgão). Nunca tivemos cotas na procuradoria e a ideia é que elas sejam incorporadas. Neste semestre, faremos nosso planejamento estratégico. Minha proposta é que as cotas sejam uma questão central. A diversidade não apenas traz uma reparação histórica, mas enriquece o ambiente. Isso aconteceu nas universidades, houve um ganho para a academia. As cotas não são um favor, há uma melhora para todos e será assim na PGE.

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Na equipe de gabinete que a senhora nomeou não há negros. Não era uma chance de promover a inclusão?

Sim. Mas mostra a dificuldade de encontrar agulhas no palheiro. Estou buscando uma forma de que as nomeações da assessoria sejam mais diversas. Há uma dificuldade de se preencher as vagas, porque o procurador precisa ter disponibilidade de assumir a função.

Em junho, a senhora aprovou um parecer para igualar o teto salarial da PGE ao dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Pouco depois, o governador barrou a mudança. A senhora se equivocou na decisão? Faz sentido um procurador ganhar o mesmo que um ministro do STF?

Não acho que tenha sido um equívoco. Era uma proposta de adequação constitucional. Em 2020, uma decisão do STF reconheceu essa paridade. Nossa proposta era equiparar os tetos, mas somente daqui para adiante, portanto o Estado não arcaria com o passivo (os pagamentos anteriores), que está judicializado. Todas as unidades da Federação, com exceção da Bahia e de São Paulo, pagam seus procuradores estaduais no limite do teto do STF. Seria apenas a aplicação da jurisprudência atual da Corte.

A PGE vai tentar reverter a decisão do governador?

Não, isso não está no horizonte. O governador entendeu que, por questões orçamentárias, não seria o momento (de aumentar o teto). A procuradoria não vai insistir agora.

Que outras medidas tem tomado em prol da inclusão social no estado?

A PGE pode contribuir nas políticas públicas. Temos um exemplo recente. Havia uma exigência de exames de mamografia e papanicolau para mulheres ingressarem no serviço público. Isso tinha sido objeto de uma ação e o Estado perdeu. Não é melhor repensar se essa política faz sentido, em vez de continuar disputando outras ações iguais? Levei essa ideia ao governador, que aceitou e extinguiu a exigência.

O Estado é parte em ações sobre o reconhecimento de áreas quilombolas. Pretende mudar a linha de atuação da procuradoria?

Sim. Há uma discussão sobre o conceito de comunidade quilombola. Existe uma tese de que são apenas aquelas originadas por escravizados fugitivos, o que me parece um conceito restrito. Vou assinar um parecer que abrange todas as comunidades onde vivam descendentes de escravizados. Essa posição vai permitir que mais comunidades sejam reconhecidas. Imediatamente, vai impactar em três áreas do Vale do Ribeira.

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Como uma categoria tradicionalista tem recebido essas posturas?

Não senti reações. Se estão achando ruim, não me disseram (risos). Entre os procuradores, sinto um ambiente acolhedor para essas iniciativas, acho que não estou desconectada do pensamento da categoria.

Se Fernando Haddad ganhar as eleições, acha que essas posturas podem mantê-la no cargo?

Difícil falar. Historicamente, é um cargo de livre nomeação. Meu horizonte é dezembro. O que posso fazer é deixar semeadas essas ideias. O legado dessa gestão será uma rica semeadura em ideias que tragam à PGE um olhar mais humano e progressista.

A senhora mora no Edifício Louveira, em Higienópolis. Como acompanhou a repercussão do podcast sobre a “Mulher da casa abandonada”?

Ali virou ponto turístico. Conversei com ela (Margarida Bonetti) no dia da poda da árvore (tema do primeiro episódio). Não fazia ideia de quem era. Ela acabou alvo de uma curiosidade bizarra, ao passo que o assunto é sério. Me incomodou as pessoas fazendo vídeos de TikTok enquanto o tema principal, o racismo, ficou de lado na repercussão.

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Publicado em VEJA São Paulo de 24 de agosto de 2022, edição nº 2803

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