“Tudo acontece aqui”, diz Roberto Monteiro, delegado seccional do Centro

Delegado conhecido por ações de grande repercussão midiática diz que "cracolândia é problema de segurança pública, social e de saúde"

Por Clayton Freitas
Atualizado em 27 Maio 2024, 21h40 - Publicado em 11 ago 2022, 06h00
Delegado Roberto Monteiro Andrade Jr., 1ª Seccional de Policia.
Delegado Roberto Monteiro Andrade Jr. (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Quando contava com apenas 9 meses de idade, Roberto Monteiro de Andrade Júnior, hoje com 60 anos, apareceu sorrindo em uma foto dentro de uma viatura da Polícia Civil. No verso da desgastada imagem, sua mãe escreveu à mão: “Filho de delegado, delegado é”. E assim foi, apesar da orientação do pai, para que o filho seguisse outra carreira que não a dele.

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E o Júnior chegou longe. Aos 38 anos, tornou-se o mais jovem classe especial, o mais alto patamar da carreira, feito até hoje inédito. Depois de atuar no interior, passou por diversos cargos administrativos na capital até ser convidado a comandar a 1ª Seccional de Polícia Civil, no Centro, em 2019. Se não é a maior seccional em território nem mesmo em número de delegacias, certamente é em casos de repercussão, que vão do alto número de crimes patrimoniais, passando pela Cracolândia, ações envolvendo milícias no Brás e, vez ou outra, casos como o do prédio que pegou fogo na 25 de Março.

Leia a seguir trechos da entrevista em que ele explica os motivos da complexa situação de segurança pública na região e ainda uma má lembrança: a de ter sido denunciado num esquema de máfia de caça-níqueis que envolvia policiais civis sob seu comando, em São José dos Campos, no interior paulista.

O senhor já foi denunciado por suspeita de envolvimento numa máfia de caça-níqueis, mas não se tornou réu. Isso o marcou? Eu amo a polícia e segui em frente. Achei que foi injusto comigo, porque eu não participei de nada e nunca nem sequer fui ouvido como réu. Eu entrei com habeas corpus. Fui denunciado sim, mas não me tornei réu, por haver falta de justa causa, e não haver prova contra mim, só elucubrações. Eu nunca fui nem interrogado. No fim, justiça foi feita. Eu fiquei muito chateado porque sempre fui e sou muito correto.

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Como foi sua escolha para assumir a 1ª Seccional de Polícia Civil? Colaborei com os planos de governo do então candidato Doria (João Doria) e doutor Ruy (Ruy Ferraz Fontes) foi escolhido como delegado-geral. Ele me chamou e falou assim: “Roberto, você vai para a 1ª Seccional”. Eu respondi: “Puxa doutor, eu fiz alguma coisa errada? Eu pisei no calo de alguém?”. Tudo acontece aqui (Centro). Se descer um disco voador, vai ser na Praça da Sé. No início, eu fiquei preocupado e era muita responsabilidade. Nós temos alguns problemas crônicos no Centro, entre eles a Cracolândia, o quadrilátero das motos, e o Brás, com ruas tomadas por milícias e organizações criminosas, explorando área pública e faturando.

O que explica os índices de criminalidade na região? Eu estudei para tentar entender a incidência de crimes. Nós temos uma situação muito complexa no Centro. É uma dinâmica diferente de outras regiões da cidade. Temos alguns fatores relevantes. Entre eles está que o Centro tem o maior hub de distribuição de transporte coletivo da América do Sul. Aqui passa a média de 1 milhão de pessoas todos os dias, seja por transporte de ônibus, metrô, CPTM, que caminham, ou trafegam por aqui. E temos uma questão social muito complexa, que é a presença de pessoas em situação de rua, que foi agravada pela pandemia. Além de um grave problema social misturado com a questão de segurança pública, que é a Cracolândia, presente há quase trinta anos aqui e sendo explorada por uma facção criminosa. E aquilo se autoalimentava: o tráfico, o dependente, daí vem o furto, o roubo, a venda dos produtos nas lojas, e isso era um problema que alimentava a criminalidade no Centro.

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Por qual motivo o senhor citou as pessoas em situação de rua? Pelo meu princípio e vivência policial, eu nunca concordei com aquele estigma de que uma pessoa que não tem condições sociais tem tendência a prática de crimes. Eu creio que aquele que pratica crimes não é porque ele não tem emprego ou não quer trabalhar, ou algo do tipo. Ele já tem uma índole ruim, já opta por essa vida. Quando eu falo em pessoas em situação de rua, digo que a presença dessa população, vítima da falta de emprego e moradia, permite que aqueles mal-intencionados, de má índole e que estejam propensos a praticar crime se misturem a essas pessoas. Quando você tem um grupo muito homogêneo, há dificuldade em separar essas situações. Cabe à inteligência policial separá-las.

Tudo o que a Polícia Civil fez na Cracolândia foi 100% correto? Na minha opinião, sim. A Cracolândia é um problema de segurança pública, social e de saúde. Várias ações foram realizadas pela polícia, e todas elas bem-intencionadas. Qual é o mérito da Operação Caronte? Primeiro que nós fizemos uma imersão profunda para entender o que era a Cracolândia. Conseguimos infiltrar policiais no meio do fluxo, fizemos vários relatórios de inteligência, fotografamos e filmamos com câmeras escondidas. Temos até agora 143 presos, 75 mandados de busca e apreensão e 97 mandados de prisão expedidos. Quando eu falo de mandado de prisão expedido, é o juiz dando uma ordem. Ninguém saiu da cadeia, e a Justiça validou todas as nossas prisões e métodos de investigação e inteligência.

O senhor já recebeu ameaças de morte pelas recentes ações que fez? Eu tomo cuidado porque fui ameaçado. A gente recebe recados, e eu sei que estou atrapalhando muita gente. Mexemos com grupos que faturam milhões. A nossa função é a mesma coisa que um médico sentir medo de pegar resfriado de um paciente gripado. É um risco inerente, mas eu não divulgo essas coisas.

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O senhor já foi filiado a alguns partidos (PSD, PTB e Solidariedade). Tem pretensões políticas? Eu sempre adorei política. Meus avós foram prefeitos, meu tio foi prefeito, meu outro tio foi vereador várias vezes, e eu sempre gostei. Mas eu sempre achei incompatível com a minha função policial. E eu não quero deixar a polícia para ser político, porque eu amo o que faço. Eu vejo muitos delegados que foram para a política e ficam divididos. Algumas certezas eu tenho na minha vida: eu vou morrer ao lado da minha mulher e quero sempre ser um bom pai. Eu tenho muito receio de falar que não serei (candidato). Mas pode surgir uma situação em que eu me veja na condição de ajudar alguma coisa.

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Publicado em VEJA São Paulo de 17 de agosto de 2022, edição nº 2802

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