Muricy Ramalho: técnico de futebol
Antigo ídolo da torcida como jogador, o técnico ranheta que comandou o São Paulo na quinta conquista do Campeonato Brasileiro mostrou que a constância e a preocupação obsessiva com organização são capazes de vencer mesmo num esporte imprevisível
Campeão brasileiro deste ano com quatro rodadas de antecedência, Muricy Ramalho tem pensado bastante em Telê Santana, com quem trabalhou como auxiliar. Foi Telê quem lhe mostrou o caminho para produzir uma equipe eficiente, o que é ainda mais valorizado hoje, quando os talentos do nosso futebol são levados para o exterior e os clubes exigem muito mais do técnico. Nada de idéias geniais ou que dependa de raros talentos. “O segredo é a repetição”, diz ele. Muricy faz os jogadores repetir tudo, sozinhos e em conjunto, até a exaustão. Por isso seu trabalho depende tanto de continuidade. Ele pensa em Telê também por outras razões. Lembra do sofrimento dele com a seleção de 1982, defenestrado da Copa numa vitória inesperada da Itália. Muricy também tem dificuldade de aceitar a derrota. Remói até hoje a queda na Libertadores neste ano. “Vi esse título escapar entre os meus dedos”, lamenta, olhando as mãos crispadas.
Assim como o mestre, Muricy já fez um bom trabalho e perdeu. Agora, fez um bom trabalho e ganhou. A diferença entre uma coisa e outra? Nenhuma. “É preciso estudar todos os detalhes, planejar antes, cobrar muito, e não mudar o método mesmo na dificuldade”, afirma. “A maneira que encontrei de lidar com a cobrança, mesmo nos tempos em que estive para ser mandado embora, foi manter o meu trabalho e o comportamento.” Como Telê, Muricy é ranheta e obcecado. Após os jogos, com qualquer resultado, ainda que seja a vitória no campeonato, vai para casa descansar. “Quando ganho, o que mais sinto é alívio”, conta.
Nem o fato de ser um campeão provado o livra da responsabilidade auto-imposta de ganhar sempre. “Esse é o meu jeito, se não colocar essa cobrança sobre mim e os jogadores, os resultados não serão os mesmos”, explica. Aos 51 anos, esse antigo ídolo da torcida como jogador nos anos 70 pensa mais em impor a si mesmo um prazo para encerrar sua carreira do que em ganhar mais dinheiro ou dirigir a seleção brasileira. A razão, novamente, é Telê. “Ele também se cobrava muito, sofria muito, e atribuo a isso a sua doença”, acredita ele, que viu os primeiros sintomas do mal que acometeu o técnico quando trabalhavam juntos no São Paulo. Telê sofreu uma série de isquemias cerebrais que foram apagando seu cérebro como as luzes de uma casa, até morrer, em abril de 2006. “Não sou simpático, não sou amigo de todo mundo, só tenho emprego por causa dos resultados”, diz Muricy. “Estou no auge da minha carreira, mas, como sofro muito, e o preço em saúde é grande, tenho conversado muito com minha mulher sobre a hora de parar.”