Marginal tem sua primeira vítima após aumento de velocidade
Quem era o motorista que pensava em se desfazer de sua moto e sofreu acidente fatal próximo da Ponte do Jaguaré
Todo dia, às 5 horas, o motorista Manoel Santana do Nascimento deixava sua casa no Jardim Ângela, na Zona Sul, para cumprir o percurso de 40 quilômetros até o trabalho, em uma empresa de coleta de resíduos em Barueri, na região metropolitana.
Na terça (14), no entanto, seu trajeto habitual não chegou ao fim. Por volta das 5h30, em um trecho da Marginal Pinheiros próximo à Ponte do Jaguaré, no sentido Castello Branco, ele bateu sua moto Honda CG 125 vinho na traseira de um Volkswagen Gol azul 1993, enguiçado em uma das faixas do meio da pista expressa. Naquele momento, Nascimento tornou-se a primeira pessoa a morrer em uma das duas Marginais desde o aumento do limite de velocidade, de 70 para 90 quilômetros por hora, no último dia 25 de janeiro.
O caso está sendo investigado pelo 91º DP (Ceagesp) e é tratado como homicídio culposo, que prevê pena de dois a quatro anos de prisão, além da suspensão do direito de dirigir. Mas, por enquanto, as investigações não apontaram causas e culpados para o acidente. A hipótese mais provável com a qual a polícia trabalha é que o motociclista não conseguiu desviar ao ver o carro parado.
Com o dia ainda escuro, a motorista teria chegado a ligar o pisca-alerta, mas não houve tempo para instalar um triângulo a alguns metros de distância. “Pouco antes da batida, um caminhão já havia freado a centímetros do meu carro”, conta a professora Bete de Almeida Garcia, dona do Gol, cuja pane ainda não teve o motivo esclarecido. Poucos segundos depois, em pé no canteiro ao lado do rio, ela presenciou o acidente. “Ouvi um estrondo, vi o rapaz caindo e fiquei em estado de choque”, descreve. A força do impacto quebrou o vidro traseiro do automóvel.
Com a colisão, destroços da motocicleta e do carro se espalharam pela pista, aumentando a gravidade da situação. “Tentei desviar, mas passei por cima de algumas peças e furei meu pneu”, diz o laminador Rodolfo dos Santos, que trafegava com seu Fiat Palio em direção ao trabalho, em Guarulhos. Natural de Uruçuca, na Bahia, Nascimento tinha 50 anos, era casado e pai de quatro filhos.
Apesar de ter cursado apenas até o 3º ano do antigo ensino primário, conseguiu comprar cinco imóveis na Zona Sul. Sua renda era constituída do salário como motorista e do aluguel dessas residências. Seu grande objetivo, no entanto, era adquirir uma casa em Peruíbe, no Litoral Sul, para curtir as folgas com a família. O desejo seria realizado neste sábado (18), data em que daria um lance em um consórcio residencial. “O Manoel não via a hora de levar todo mundo até lá”, relembra o amigo Renílson de Souza.
A amigos e familiares, Nascimento dizia também estar cansado da rotina sobre duas rodas. Chegou a contar a eles que pretendia vender a Honda. “Ele tinha receio porque havia perdido um colega da mesma forma, na Marginal Pinheiros, fazia dois anos”, afirma Souza. “Só adiava o plano porque não queria voltar a andar de trem.” As Marginais são as campeãs de desastres com moto na cidade.
Dos 1 244 casos com vítima em 2016, 74% (921) envolveram os veículos de duas rodas. Nesse total de ocorrências, quinze motociclistas perderam a vida, segundo a Polícia Militar. Desde a recente mudança nas velocidades, as duas principais vias expressas de São Paulo registraram 48 acidentes, dos quais 39 com motoqueiros. Embora muitos desses condutores sejam imprudentes, as principais causas do problema não estão relacionadas a excessos no velocímetro.
Entre os motivos mais frequentes para trombadas e quedas estão a iluminação deficiente e a enorme quantidade de buracos no asfalto. No passado, ocorreram tentativas de limitar a circulação das motos na metrópole. Em 2010, a Avenida 23 de Maio chegou a ser proibida para elas, o que provocou protestos. A medida acabou revogada em pouco tempo.
Naquele mesmo ano, foi vedada a presença de motos na pista expressa da Marginal Tietê, regra que vale até hoje. Lançado no último dia 25, o projeto Marginal Segura não inclui medidas específicas para elas. Para corrigir a ausência e elaborar novas ações, a prefeitura tem realizado reuniões com setores da área de transporte, inclusive o sindicato dos motociclistas.