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“Tive pessoas da comunidade que foram embora porque eu defendia a Dilma”, diz Monja Coen

Com mais de dez livros escritos na pandemia, a líder budista retorna às palestras, indica apoio a Lula e tem planos de construir templo em Campos do Jordão

Por Humberto Abdo
1 abr 2022, 06h00

Prestes a retomar as palestras presenciais com estreia no Teatro Bradesco, em 7 de abril, a Monja Coen acaba de dar os primeiros passos para construir o próprio templo em Campos do Jordão, previsto para 2024. Isolada em São Paulo desde o início da pandemia, a budista se redescobriu nas redes sociais e nas lives, onde compartilha os ensinamentos da meditação — e por vezes expõe, para a desaprovação de alguns seguidores, suas posições políticas. Leia a entrevista completa a seguir:

Como surgiu a ideia de construir o próprio templo?

Foi antes mesmo de eu voltar do Japão, em 1995. Estamos em uma casa alugada (no Pacaembu) e as práticas ali são limitadas. Agora, conseguimos uma verba para comprar o terreno, onde espero ter retiros e espaço para as pessoas serem alojadas. Por aqui, elas dormem no chão e fazem fila para usar o banheiro. Ninguém acha ruim, mas fico envergonhada de não dar condições adequadas.

Como será o projeto?

Por enquanto, é apenas um pedaço de terra. Contratei uma arquiteta e passamos a nos encontrar uma vez por semana para eu explicar como são os templos no Japão. Ela vai visitá-los para ter uma visão in loco de como tudo funciona, mas a ideia é termos salas de Buda, das liturgias e palestras, de meditação, uma cozinha com refeitório, uma biblioteca, uma lojinha e pequenos quartos individuais para quem vem de longe. Se conseguirmos juntar o dinheiro necessário, as obras começam no segundo semestre de 2023.

Pretende se mudar para lá?

Talvez sim, pela ideia de ficar em uma área mais rural e por Campos do Jordão ter um ar muito bom. Mas o espaço em São Paulo não pode desaparecer. A cidade exige de nós pequenos oásis onde possamos respirar e tomar fôlego para continuar a corrida no dia seguinte. Eu acredito nas práticas meditativas como uma grande mudança social, política e econômica. Elas provocam uma mudança de olhar para a realidade. E não é para ter mais budistas no Brasil, é para despertar nossa consciência humana.

Monja Coen sorri olhando para o lado. Veste quimono vermelho.
Exercício de paciência: “Me irritei com o pessoal sem máscara na pandemia.” (André Genzo Spinola e Castro/Divulgação)

É verdade que seu bisneto nasceu no templo atual?

O primeiro, sim. Minha netinha queria muito ter o bebê na banheira, em parto natural. Fez uma campanha me mostrando vídeos, porque todo mundo levou um susto com a ideia. Para me tranquilizar, disse que tinha reservado um hospital. Não era verdade (risos). Eu tinha quebrado o pé, estava na cadeira de rodas e nunca tinha visto um parto. Foi muito delicado, a língua dela foi ficando roxa, pensei que iria morrer e comecei a rezar… Logo depois, ele nasceu.

Como ficou sua rotina na pandemia?

Comecei a escrever sem parar, acho que foram sete livros no primeiro ano. De dia, escrevo e dou entrevistas como esta para você. Durante dois anos, fiz todas as funções da casa, sem sair. Antigamente, tinha duas ou três viagens por semana. Hoje, quando saio, são muitos estímulos e fico exausta. Também vejo televisão, gosto de ver noticiário e algumas novelas que distraem e levam o pensamento para outros lugares.

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Como tem equilibrado a vida de monja com as lives e atividades on-line?

Tive um excesso de solicitações. Fui diminuindo para poder escrever mais, assim o dia foi ficando mais leve. Ajudamos vários projetos para fazer o bem, algo que despertou muito em mim ao ver as notícias e dificuldades, como a cena de uma mulher lavando a panela com água suja na rua enquanto do outro lado uma população com mais dinheiro jogava comida fora. Se existe alguém passando fome, quem está jogando alimento no lixo é responsável por isso, mas nós não pensamos dessa forma.

“Me sinto no direito e no dever de fazer manifestações”

Sua maneira de encarar a morte mudou de alguma forma?

Quando minha discípula pegou Covid, tive momentos de pânico: ‘Nossa, vou morrer’. Tinha um hospital de campanha aqui em frente e eu acordava achando que estava no leito hospitalar. Se ficar doente, vou procurar me curar; agora não estou, então por que não apreciar a vida nesse instante? Tomei todas as medidas sugeridas pelos especialistas e não tenho mais aquele peso sobre o que pode acontecer. Mas ver aquelas covas e covas sendo abertas… A gente sabe que a morte existe para todos nós, mas muitas não teriam acontecido se outras medidas tivessem sido tomadas. Se pudermos ter uma vida mais longeva, é preferível.

Sua discípula, a Monja Zentchu, também é bastante ativa nas redes. Como é o convívio das duas em casa?

Às vezes, a coisa pega, viu? Ela se tranca no quarto dela, eu no meu e a gente fica brava uma com a outra. (risos) Por convivência, você acaba vendo defeitos no outro e não as qualidades, mas comecei a lidar com isso de outra forma. Eu gosto de tudo arrumadinho, então vou lá e arrumo. Em vez de querer que a pessoa seja como eu sou, posso criar uma relação menos conflituosa. E olha que temos pensamentos políticos opostos. Ela detesta o Lula! Não se fala nele por aqui. Temos que conviver com quem pensa diferente.

Com as palmas em sinal de oração, Monja Coen encara a câmera e veste quimono preto.
“Se ficar doente, vou procurar me curar; agora não estou, então por que não apreciar a vida nesse instante?” (André Genzo Spinola e Castro/Divulgação)

Em 2020, a senhora defendeu o isolamento quando apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) se manifestaram contra ficar em casa. Como lida com esses embates?

Fiquei irritada com o povo na rua passeando sem máscara, enquanto tínhamos um hospital lotado logo ao lado. Tenho pessoas aqui perto que não querem vacinar os filhos porque o senhor presidente da República disse que não precisa. Você pode gostar dele, mas vai deixar sua filha em risco? Tem coisas que já me fazem responder mais bravinha e preciso dizer ‘respira, monja, respira’ (risos). Sabe que eu fui suspensa por duas semanas do Facebook? Teve uma perseguiçãozinha, deu para perceber uma campanha do tipo ‘a monja está falando muito, vamos calar’. Uma senhora escreveu: ‘vou falar com Carlos Bolsonaro e vamos dar um jeito nessa monja já, já’. Tinha ameaças assim. Eu não pensei em incomodá-los, mas em fazer as pessoas refletirem.

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As eleições presidenciais prometem esquentar ainda mais esses embates. Acompanha esses desdobramentos?

Temos que conviver com as maneiras diferentes de pensar, mas não deixo de dar meu ponto de vista. Já tive pessoas da comunidade que foram embora porque eu defendia muito a Dilma (Rousseff), mas não falo à comunidade ‘vote nele, vote naquele’. Só na minha vida pessoal, nas redes sociais, onde me acho no direito e no dever de fazer algumas manifestações.

Pessoalmente, seu apoio atual é ao ex-presidente Lula?

Ele está tão bonitinho, né? (risos) Eu acho importante pensar no bem da maioria, em como fazer para ter menos miséria, mais capacidade para educação e adquirir dons para viver de forma melhor. Acredito que o governo dele fez isso. Grande parte da população marginalizada pôde abrir empresas e conta em banco. Foi benéfico para o país, mas esse salto assustou e incomodou muitas pessoas.

Monja Coen posa de pé com roupa cinza-escuro em frente a altar.
“Temos que conviver com as maneiras diferentes de pensar, mas não deixo de dar meu ponto de vista.” (André Genzo Spinola e Castro/Divulgação)

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Publicado em VEJA São Paulo de 6 de abril de 2022, edição nº 2783

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