Monica Serra: o estilo da Primeira-dama
Ela nunca abandonou seus projetos para acompanhar a vida política do marido. Enquanto José Serra disputava eleições, ela construía a própria carreira em salas de aula
Pelo menos uma vez por semana, quase sempre à noite, ela faz questão de pilotar um carrinho de supermercado. Embora não costume cozinhar, também não abre mão de organizar os almoços em família – pratos típicos da culinária chilena, como empanadas e pastel de choclo (torta de milho), estão sempre presentes no cardápio. Ao cabeleireiro, vai uma vez por mês “apenas para cortar”. Mostra o mesmo desapego pelo guarda-roupa. Ali só entram as mais básicas (e clássicas) das peças. As linhas acima não seriam de causar estranheza se não estivéssemos falando da psicóloga Monica Serra. Como primeira-dama do estado, ela poderia morar na ala residencial do Palácio Bandeirantes, onde o governador José Serra trabalha, e não se preocupar durante pelo menos quatro anos com os afazeres domésticos. Teria para isso empregados, cozinheiras, arrumadeiras, governanta e profissionais encarregados das compras para a despensa. Mas Monica se recusa a sair da casa da família, no Alto de Pinheiros. Também poderia buscar seus terninhos no exterior ou encomendá-los de estilistas famosos, como fizeram suas antecessoras Sylvia Maluf, que se abastecia em Paris, e Lu Alckmin, que raramente repetia roupas. Sylvia Monica Allende Serra surpreende pelos hábitos simples. Com os oculosinhos vermelhos que comprou numa farmácia no Chile há sete anos e já se tornaram sua marca registrada, é uma espécie de antiprimeira-dama. Seu cabelo, preto e muito liso, foi mais longo quando vivia no Chile. “Eu tinha um cabelão”, lembra. “Só cortei mais tarde aqui no Brasil porque me perguntaram se eu era crente. Nunca havia pensado que comprimento de cabelo pudesse ter algo a ver com religião.”
Desde que deixou o palco do Balé Nacional do Chile, no fim dos anos 60, Monica dedicou-se à vida acadêmica. Nos últimos trinta anos, enquanto Serra, a quem chama de Zé, ocupava cargos públicos e disputava diferentes mandatos – e olhe que não foram poucos –, ela construía uma sólida carreira em salas de aula. Sempre preferiu observar de longe o marido na política. “Nunca abandonei nada pelo Zé, nem ele por mim. Sempre nos apoiamos”, afirma. Seu currículo inclui mestrados nas universidades Cornell e Hahnemann, nos Estados Unidos, e um doutorado em psicologia pela Universidade de São Paulo. É professora aposentada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e assessora pedagógica na FMU. Atualmente, trabalha num gabinete no Parque da Água Branca, como presidente do Fussesp, abreviação do novo e longo nome da entidade que dirige, o Fundo de Solidariedade e Desenvolvimento Social e Cultural do Estado de São Paulo. “Nossa linha não é assistencialista”, diz. “Queremos criar condições para que as pessoas carentes aprendam um ofício e se tornem independentes, o que vai lhes conferir auto-estima, tão fundamental para seguir adiante na vida.” Está desenvolvendo seis novos programas que, além de priorizarem a saúde, a educação e a qualidade de vida, têm como objetivo resultar em trabalho e renda. “Monica é uma mulher que trabalha muito e de um jeito discreto”, diz a amiga e ex-primeira-dama Ruth Cardoso. “Consegue imprimir sua marca às coisas que faz”, acrescenta. “Ela é sensível aos problemas sociais e jamais será contaminada pelas honrarias do poder”, afirma outra amiga, a empresária Cosette Alves.
A primeira-dama nasceu em Santiago, em 1944. É, desde 1999, brasileira naturalizada. Com as duas culturas, diz ter adquirido um olhar ampliado sobre a América Latina. São Paulo é hoje onde se sente em casa: “Em matéria cultural, nada falta aqui que outra grande cidade possa oferecer”. Em dezembro de 1966, numa festa na capital chilena, ela conheceu o futuro marido, o economista e então exilado político José Serra. Casaram-se no ano seguinte, quando Monica já era primeira-bailarina. “Continuei dançando, tive dois filhos (a advogada Verônica, 38 anos, e o administrador de empresas Luciano, 34) e aí veio o golpe de 1973”, acrescenta, referindo-se à violenta deposição, pelos militares, do governo esquerdista de Salvador Allende, de quem, apesar do sobrenome homônimo, não se considera parente. “Fomos obrigados a nos asilar. O nome Allende não facilitava as coisas. Meu irmão, com medo de ser preso, chegou a jogar fora a carteira de identidade.”
Monica lembra que naquele período ficou seis meses na Embaixada da Itália e o marido nove, pois o novo governo não lhes dava o salvo-conduto para deixar o país: “O Luciano tinha 3 meses. Ficou ali até os 9. Em seu primeiro ano, viveu a metade exilado e a outra metade dando a volta ao mundo, pois de lá passamos pela Argentina, Itália e França até chegar aos Estados Unidos, onde permanecemos uns cinco ou seis anos”. Monica lembra que sempre falava “voltar”, embora nunca tivesse morado aqui. “Percebi isso como um sinal de que já havia incorporado São Paulo a minha vida”, afirma. Durante os meses de asilo na embaixada italiana, para manter a serenidade, Monica dançava sem parar. “Fazia barra dentro do banheiro”, conta. “Eu lavava as roupinhas das crianças, penteava Verônica em tranças bem apertadas, cuidava do meu filho. Nunca fui tão organizada e metódica na minha vida como naqueles seis meses.” Sua primeira visita ao Brasil foi em 1968, para conhecer a família do novo marido. Exilado, ele não podia acompanhá-la. “Eu estava apreensiva”, recorda. “O problema não era eu gostar dos pais dele, mas se eles iriam gostar de mim. Eles me aceitaram logo de cara, porque souberam que eu era uma escolha do Zé.”
Foi o pai, engenheiro, quem inculcou nela o gosto pela leitura. Lê mais de um livro ao mesmo tempo. Atualmente está relendo A Poética do Espaço, de Gaston Bachelard, um estudo sobre o movimento. “É uma leitura densa”, diz. Com a mãe, pedagoga e diretora de escola, aprendeu a tricotar, a bordar e a ter consciência de que é importante ajudar quem precisa. “No fim do ano, ela nos levava a um hospital para darmos de presente aos pobres as roupinhas e as toalhas que havíamos feito.” Monica, que é católica, usa medalhinha, estudou em colégio de freiras e é uma mulher discreta, chamou atenção durante a visita do papa Bento XVI, em maio, pelas botas de cano curto que usou em uma das solenidades. “Caí na rua e trinquei o pé”, conta. “A ordem do médico era que eu ficasse de repouso, mas tirei a faixa que me imobilizava e coloquei a bota para me dar mais firmeza.”
Fundadora da ONG Arte Sem Fronteiras (ASF), que tem como objetivo aproximar produtores culturais e intelectuais latino-americanos, e do Instituto Se Toque, uma ONG que combate o câncer de mama, ela adora falar dos seus projetos. Só se entusiasma de maneira parecida quando o assunto é o neto Antonio, que aos 4 anos, segundo a avó, gosta de ouvir músicas clássicas. Coruja, conta dele várias historinhas, que diz anotar num caderno para depois não esquecer. Brinca que os filhos não mandam mais nela: “Agora quem manda em mim é o neto”. No último dia 15 de junho, ela ganhou mais uma neta, Gabriella, também filha de Verônica.
Não usa relógio – “Monica quase sempre chega atrasada aos nossos encontros”, conta a amiga Sônia Matarazzo –, não come nada cru e se preocupa cada vez mais em comprar alimentos orgânicos. É menos enjoada que o marido, que em festas e jantares, antes de se servir, fica perguntando se cada prato ou molho levou alho ou cebola na receita. “O maior defeito da Monica é acordar às 6”, brinca José Serra. Com isso, claro, gosta de ir para a cama cedo, mas por atenção ao marido, que é notívago, o acompanha ao cinema na sessão das 10 da noite. O último filme que viram juntos foi The Contract, com Morgan Freeman e John Cusack, em Campos dos Jordão. Como de costume, dormiu antes do final. “Mas depois o Zé me conta o que aconteceu na história.”