Modelos “fora do padrão” ganham espaço na moda e na publicidade
Área aposta em profissionais donos de belezas menos convencionais e investe na diversidade (também de olhos nos negócios)
Dentes separados, axilas sem depilar, cabelos ao natural ou coloridos, tatuagens… Não se pode dizer que o padrão de modelos brancos, altos, magros etc. foi deixado para trás (há uma passarela bastante longa até lá), porém cada vez mais a diversidade se vê presente na moda. Trata-se de uma tendência que vai além do mercado plus size, por exemplo, já mais consolidado. A busca é por um visual moderno e interessante, com atitude. Se o profissional tiver “história”, melhor ainda.
É o caso de Sam Porto, 25, transexual que bateu a marca de nove desfiles na última São Paulo Fashion Week, no mês passado. Em um deles, sem camisa, mostrou as cicatrizes de sua cirurgia de retirada de seios junto aos dizeres “Respeito trans”. Porto começou a carreira há apenas dois anos. “Antes, achei que não seria respeitado nem conseguiria trabalhos”, lembra o rapaz, que é de Brasília, mas mora em São Paulo e faz questão de ser “vendido” como trans no mercado. “Busco representatividade. Hoje, posso ser eu mesmo.”
Assim como Porto, muitos dos atuais modelos pensavam que nunca conseguiriam se encaixar na atividade, pois fugiam dos moldes vistos por aí. O que não quer dizer que valha tudo. “É preciso mostrar algo a mais, como conteúdo e inteligência emocional”, explica Clovis Pessôa, responsável pela agência Rock MGT, em Pinheiros, com cerca de 500 nomes cadastrados. Ele criou o negócio sete anos atrás. Tentou de início investir na diversidade, mas demorou a engatar. “As produtoras achavam nosso casting feio, agressivo visualmente.”
A situação foi mudando, e hoje o diferencial faz a fama do projeto. Entre seus agenciados, aparece o sociólogo Akin Cavalcante, 36 anos, dezoito deles com vitiligo, condição que deixa marcas brancas em sua pele negra. O rapaz, de 1,80 metro e 73 quilos, chama a atenção em comerciais por aí. “Tenho histórico de depressão, de querer esconder o vitiligo. Hoje, meu compromisso é mostrar que dá para viver bem assim”, diz. “O velho padrão não se sustenta mais, não se vende sozinho.”
Outra agência que se destaca no meio é a Squad, lançada em 2016. “Essa área no Brasil se mostrava extremamente conservadora, com perfis europeus”, conta Thais Mendes, 37, responsável pelo empreendimento, que representa cerca de 100 profissionais. Moradora de Londres e formada em jornalismo, ela se inspirou em um movimento visto por lá e resolveu criar uma conta no Instagram após selecionar uma turma com personalidade. “Foi uma época importante para temas como feminismo, políticas de identidade, questão de gênero. O cenário da moda mudou muito desde então. Hoje, estamos acostumados a ver uma menina de cabelo afro na propaganda de xampu”, diz.
Thais, entretanto, queixa- se de que nem sempre seus modelos ganham o mesmo cachê dos “manequins-padrão”, principalmente na passarela, e batalha para mudar a situação. Para diversificar o portfólio, ela está sempre de olho em nomes diferentes, como a novata Lola DiMarzio, 21, de grossas sobrancelhas pretas que se juntam em uma só. “Sofria bullying e tirava os pelos até os 19 anos. Quando parei, vi a mim mesma no espelho e ganhei confiança.”
A fim de não ficarem para trás, agências maiores estão apertando o passo para alcançar a tendência. A Ford Models, com quase trinta anos de história, lançou em maio o departamento Trends, focado na beleza mais “real”. “Muito mais do que algo inalcançável, procura-se hoje um perfil com o qual o consumidor se identifique. Ele quer se ver na propaganda”, acredita a booker Patricia Gabriel, responsável pelo Trends. Entre os trinta nomes do projeto, destaca-se a modelo Ana Luiza Nascimento, de 64 anos, que ostenta seus cabelos brancos sob os holofotes.
CEO de uma das principais agências de publicidade do país, a DPZ&T, Eduardo Simon concorda que é a vez de o mercado refletir o público. “Fizemos pesquisas e vimos que marcas que dão passos nessa direção são mais aceitas. A diversidade era antes um recurso para chocar, como um modelo albino. Atualmente, serve para gerar identificação”, acredita. “Temos um ambiente de publicidade menos dominado pela TV. Com o digital, há mais pessoas ‘normais’ falando sobre produtos e, assim, as empresas precisaram mudar de postura.”
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 06 de novembro de 2019, edição nº 2659.