“Médium de direita”, Divaldo Franco ganha o segundo filme
Espírita de 92 anos vem a São Paulo todo mês é é comparado a Chico Xavier, com quem se desentendeu e ficou 22 anos sem conversar
As salas estão mais cheias do que nos filmes do Edir Macedo.” Embalada por uma gargalhada marota, eis a resposta do médium baiano Divaldo Franco, de passagem pela cidade, sobre o desempenho do longa-metragem baseado em sua vida. A biografia rendeu Divaldo — O Mensageiro da Paz, que estreou em setembro. Em quatro semanas, atraiu mais de 385 000 espectadores. Trata-se de um número acima da média em comparação a outras produções nacionais recentes, como Hebe, com público de 90 000 pessoas em quinze dias. Contudo, Nada a Perder 2, cinebiografia do líder da Igreja Universal, vendeu mais de 6 milhões de entradas em oito semanas. Mas, com ingressos comprados em lotes por pastores, sessões ditas lotadas ficam às moscas. Por isso o comentário espirituoso do médium de 92 anos, bem-humorado, articulado e com os cabelos negros cuidados por ele mesmo (“Silvio Santos, José Sarney e eu usamos o mesmo xampu especial”, brinca).
O filme pretende popularizar a história do kardecista, pouco conhecida fora do meio espírita, estimado em 3,8 milhões de adeptos no Brasil.“Hoje em dia, Divaldo é o primeiro nome mais lembrado na doutrina”, diz Geraldo Campetti, vice-presidente da Federação Espírita Brasileira.
A história dele realmente parece de outro mundo. Ele afirma ter começado a ver espíritos aos 4 anos e psicografou mais de 300 obras, que, juntas, venderam cerca de 10 milhões de exemplares. Orientado por “seres superiores”, inaugurou, em 1952, a Mansão do Caminho, um centro de acolhida na periferia de Salvador, cidade onde mora. Em três anos, adotou 682 órfãos e, atualmente, dá assistência a 3 540 pessoas carentes, oferecendo serviços como consultas de pré-natal a mães solteiras, um centro de parto natural, creche, além de ensino básico e médio. Nos próximos cinco anos, quer expandir-se e inaugurar por lá uma faculdade de pedagogia, contabilidade e engenharia de computação.
“Sem a contribuição dos paulistanos, essa obra não teria saído”, diz o médium. Ele conta que, em 31 de dezembro de 1950, fez uma palestra aqui na capital. Falou sobre o projeto da mansão e, em minutos, conseguiu os 280 000 cruzeiros necessários para comprar o terreno de 80 000 metros quadrados, onde ainda está. “Até hoje as doações vindas de São Paulo correspondem a 20% do nosso orçamento mensal”, revela, referindo-se à verba de cerca de 1,1 milhão de reais. Divaldo vem à cidade pelo menos uma vez por mês para palestrar em centros, além de se consultar no Hospital Sírio Libanês. Há dois anos sofre com três hérnias na coluna. “Fiz uma palestra em Londres, dormi num colchão ruim, e, desde então, as dores só passam quando estou em conferência”, conta o médium, que às vezes recorre a uma cadeira de rodas.
Esse cotidiano atribulado, com 180 viagens por ano, ficou de fora do filme, inspirado no livro Divaldo Franco, de Ana Landi (Bella Editora). E o capítulo mais polêmico da obra também: o desentendimento de Chico Xavier com o colega baiano. Na adolescência, Divaldo se tornou próximo do médium mineiro. Mas, em 1952, foi acusado por membros da Federação Espírita Brasileira de plagiar as mensagens psicografadas pelo amigo. Chico acreditou, os dois se ressentiram do episódio e ficaram 22 anos sem se falar. Em 1974, Chico deixou a mágoa de lado.
“Sempre o amei muito”, declara Divaldo. Seguem, porém, as desconfianças de parte da comunidade. “Ele recebe os temas de sua mentora, Joanna de Ângelis, mas desenvolve as ideias e escreve os livros de acordo com a própria mente”, acusa Wilson Garcia, membro do conselho curador da Fundação Herculano Pires, organização batizada em homenagem a um dos maiores tradutores do francês Allan Kardec, o “pai do espiritismo”. Falecido em 1979, Pires passou boa parte da vida questionando a mediunidade de Divaldo.
Outro ponto de desavença é o posicionamento político do baiano, apelidado no meio de “médium de direita”. “Não acompanho política, mas não sou covarde e expresso minhas opiniões.” Elas são bem diversas. Na última eleição, esqueceu o título e não votou, mas teria escolhido Bolsonaro. “O atual presidente representava uma esperança, apesar de eu não aprovar seus discursos a favor da tortura”, afirma. Apertou o “13” de Lula em duas eleições (“É um nordestino que persistiu e venceu”), mas também é fã de Sergio Moro, ministro da Justiça, que colocou o ex-presidente na cadeia. “Ao prender Lula, deve ter cumprido a lei.” Um de seus preferidos: João Doria, a quem chama de “homem honrado e competente”. O filme, aliás, é produzido pelo irmão dele, Raul Doria. O governador de São Paulo se declara católico, mas diz que admira a obra de Divaldo.
Para alguns líderes espíritas, sobre política, o médium deveria fazer de sua boca um túmulo. “Ele influencia muita gente e, como se porta como líder, parece que toda a nossa comunidade segue seu pensamento, o que não é verdade”, critica Dora Incontri, coordenadora da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita.
Polêmicas à parte, Divaldo deverá render mais um filme. Clovis Mello, diretor do longa-metragem, prepara uma obra baseada em um de seus livros, Sexo e Consciência. Será um alerta contra compulsões sexuais, bebidas e drogas, ainda sem previsão de estreia. “Meu sonho é tirar os filmes com a temática espírita da prateleira dos religiosos. Não se trata de fé. O que Divaldo apresenta são fatos científicos”, acredita Mello.
Curiosidades do médium
Recebeu o rótulo de “médium de direita” > Críticos apontam seu apoio a Jair Bolsonaro. Mas, na verdade, ele também simpatiza com Lula.
Foi amigo e inimigo de Chico Xavier > Em 1948, conheceu o médium mineiro e tornou- se amigo dele. Quatro anos depois, foi acusado pela federação espírita de plagiar a obra do colega. Os dois pararam de se falar, e o mal-entendido foi resolvido em 1974.
Nunca teve um romance > Os espíritos lhe disseram que não se casaria: encarnou para ajudar os outros. Mora no trabalho, raramente assiste à televisão e, na última vez que foi ao cinema, viu Ghost, em 1990. “O filme mostra direitinho como tudo funciona”, diz.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 23 de outubro de 2019, edição nº 2657.