MC Soffia fala sobre preconceito e feminismo
A rapper mirim de 12 anos faz sucesso na internet e em shows na metrópole
A última safra de artistas precoces no universo da música acabou virando assunto dos tribunais. No ano passado, promotores da Justiça da Infância e Juventude do Estado de São Paulo abriram um inquérito civil para investigar pais de funkeiros mirins por exploração de menores. Chamavam atenção nos casos ainda o visual erotizado das crianças e as letras desbocadas. A nova personagem da cidade nessa área, porém, é uma rapper mirim com uma postura e um repertório bem diferentes.
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De cabelo black power com um lacinho de enfeite, a paulistana Soffia Gomes da Rocha Gregorio Correa, a MC Soffia, de 12 anos, é o talento emergente em questão. Ela começou a ser notada em 2012, com a divulgação do single Menina Pretinha. O refrão diz: “Menina pretinha / exótica não é linda / você não é bonitinha / você é uma rainha”. A música ganhou um clipe em março, gravado na Pedra do Sal, no Rio de Janeiro. O vídeo, que já atingiu mais de 1 milhão de pessoas no Facebook e cerca de 180 000 no YouTube, parece ser só o começo do que pode vir por aí. Temas como preconceito e feminismo também são presentes nas suas composições. “Já ouvi que eu ajudei as pessoas a se aceitar como são, soltando o cabelo ou tendo orgulho da cor delas”, alegra-se a garota. Depois de duas apresentações no Itaú Cultural, ela se prepara para um show grátis na Viradinha Cultural, organizada pela prefeitura, no fim do mês.
A menina foi descoberta em 2010, quando esteve entre os calouros de O Futuro do Hip-Hop, um projeto itinerante da DJ Vivian Marques, com oficinas de dança break, grafite e música, realizado em diversas casas de cultura municipais. “Ali, eu decidi que queria cantar”, conta. Após essa experiência, ela passou a dar palinhas em shows, saraus e eventos culturais organizados pela mãe e produtora Kamilah Pimentel, com quem mora, na Cohab Raposo Tavares, na Zona Oeste. Em 2012, alcançou um feito de deixar muito rapper marmanjo com um pontinha de inveja: participou de uma apresentação ao lado do Racionais MC’s, no Sesc Pompeia, um dos grupos mais importantes do gênero na capital. Mas foi somente quando a menina completou 11 anos, em 2015, que mãe e filha decidiram apostar para valer na sua carreira artística. “Esperei que ela estivesse segura do que queria”, explica Kamilah.
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O cachê da MC está na casa dos 6 000 reais. Em abril, ela contabilizou duas apresentações. A chegada de padrinhos importantes deve fazer decolar tanto esse valor quanto o número de shows. Desde janeiro, a rapper curitibana Karol Conka passou a orientá-la. Também produziu uma de suas músicas com o DJ Boss in Drama. A ideia é que essa faixa integre o repertório de um EP, sigla para extended play, um disco mais curto, com poucas canções. “Ela tem um desejo muito forte de fazer a diferença para outras crianças”, afirma Karol. “Parece ter vinte anos de carreira. Chegou aqui falando que queria batidas africanas dançantes”, completa Boss in Drama.
Outro vídeo deve ser lançado ainda neste semestre em parceria com a banda de rock Gram. A canção Minha Rapunzel de Dread fala de uma princesa rastafári e incentiva a criançada, principalmente as meninas, a criar seus contos de fadas. “Não tem nenhuma personagem assim na Disney, então resolvi fazer uma música para que existam mais histórias parecidas com a minha”, afirma Soffia. “Apesar da idade, a menina sabe muito bem o que quer da sua carreira”, conta o guitarrista Marco Loschiavo, da Gram. “Ela demonstrou muita maturidade no estúdio.”
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Mesmo próximo de uma grande rodovia, o complexo habitacional no qual Soffia mora é tranquilo e um pouco isolado. Localizado no último andar do prédio de quatro pavimentos, o apartamento simples tem muitas bonecas espalhadas pelos recintos. Uma parte delas fica disposta como enfeite na sala, enquanto a outra decora o quarto da rapper mirim. As modelos dos brinquedos são negras e têm tranças no cabelo, feitas a mão por Lúcia Makena, avó da MC. Soffia estuda em um colégio perto de sua casa em período integral. Volta de lá no fim de tarde, e há sempre um amiguinho batendo em sua porta para se divertirem juntos no espaço do condomínio. Nos fins de semana, quando não tem shows nem eventos marcados, é hora de visitar o pai, Yan Curumin, no bairro João XXIII, também na Zona Oeste. Ele e a mãe da garota estão separados desde a gravidez, mas a relação de pai e filha é próxima. “Lá, eu brinco com meus primos de polícia e ladrão, taco, futebol…”, enumera a menina. Embora Curumin não se envolva com a carreira da MC, ele conta que adora quando é abordado na rua e ouve dos amigos que as filhas deles se reconheceram nas músicas de Soffia. “Ela está virando uma referência para muita gente”, diz, orgulhoso.