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Quem é Márcio França, que assume o Palácio dos Bandeirantes

O vice-governador passa a comandar o estado nesta semana, chama de ingrato o prefeito paulistano e diz que foi “escolhido” por Alckmin

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 mar 2018, 06h00 - Publicado em 30 mar 2018, 06h00

Assim que se sentar na cadeira de governador do estado mais rico do país, com orçamento de 216 bilhões de reais e PIB próximo de 2 trilhões de reais, Márcio França (PSB) vai atingir o topo de uma carreira que começou em 1989 na cidade de São Vicente, a mais pobre da Baixada Santista. Vereador por dois mandatos e prefeito pelo mesmo número de vezes, o político de 54 anos foi deputado federal e sempre manteve as raízes no município onde nasceu e cresceu.

A partir do próximo dia 6, sua missão número 1 será transpor a popularidade de três décadas da planície litorânea para além da Serra do Mar. Para isso, vem se preparando há um ano e dois meses, desde que passou por uma cirurgia de redução do estômago que o deixou com 40 quilos a menos (ele equilibrava 118 quilos em seu 1,73 metro).

Como o futuro prefeito paulistano, Bruno Covas, o novo governador também reduziu radicalmente o número do figurino. “Antes eu precisava dormir
com uma máscara por causa da apneia (suspensão temporária da respiração). Só por isso já valeu”, afirma França, que não esconde a ligação entre a operação e suas futuras pretensões eleitorais.

Com Geraldo Alckmin: “Fui escolhido por ele” (Arquivo Pessoal/Veja SP)

Ao contrário dos dois últimos vice-governadores que assumiram o posto dos chefes candidatos a presidente pelo PSDB (Alckmin deixou o cargo para Cláudio Lembo, do antigo PFL, em 2006, e José Serra foi substituído pelo também tucano Alberto Goldman quatro anos depois), Márcio França quer ficar mais um mandato à frente do estado e se diz sucessor político natural do atual governador. “Quando fui escolhido como seu vice, em 2014, ele já sabia que poderia sair para concorrer ao Planalto agora”, afirma.

O movimento de França provocou atritos públicos com o tucano João Doria, que se despede da prefeitura paulistana em 6 de abril para concorrer no mesmo pleito. “O PSB apoia a extrema esquerda; estamos em campos diferentes”, diz o prefeito. “Somos de centro-esquerda, a mesma origem do partido dele”, rebate França. Ambos já foram amigos e hoje não se falam mais.

Foi de Márcio França a tarefa de organizar uma coligação de treze partidos, incluindo o seu PSB, com o objetivo de angariar o maior tempo de TV nas eleições municipais da capital em 2016. A tática deu certo. João Doria apareceu mais do que Fernando Haddad e levou a eleição no primeiro turno. “O Doria possuía 3% das intenções de voto nas pesquisas. Foi depois da TV que a campanha decolou”, relembra França, que hoje se diz traído.

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“Pedi muito voto ao lado do João Doria há dois anos. Logo que as pretensões dele ficaram claras, comecei a ser cobrado pelos eleitores”, afirma. A tática de angariar legendas será repetida pelo vice-governador, mas agora em benefício próprio. Até a última quarta (28), onze partidos haviam anunciado apoio a seu projeto.

Ao lado de Mário Covas, em 2001: uma das últimas aparições do então governador (Reprodução/Veja SP)

Para dar uma força na missão “ser visto para ser lembrado”, Márcio França pretende lançar mão de velhas táticas eleitorais. Até o meio do ano, vai inaugurar uma dezena de estações de metrô e monotrilho, que se arrastam há anos. Nas próximas semanas, serão abertas as paradas Oscar Freire (4-Amarela), Moema (5-Lilás), São Lucas, Camilo Haddad, Vila Tolstói, Vila União e Jardim Planalto (15-Prata). “Levarei o governador junto comigo até o limite da lei eleitoral em julho”, afirma França, que também cortará fitas e instalará placas em pelo menos três hospitais que serão abertos no interior.

Outra previsão é a liberação de mais de 300 milhões de reais para ser gastos em recapeamento de ruas e avenidas em cidades do interior, mantendo a tradição de abrir a carteira para asfalto em ano eleitoral, expediente também usado na capital por Doria.

Nenhuma das ações, no entanto, é mais polêmica que a intenção de promover o “alistamento civil” de 100 000 jovens de baixa renda. A empreitada, que consiste em oferecer empregos, que vão de orientador de trânsito a agente comunitário e é orçada em 100 milhões de reais por mês, levantou vozes contrárias na Assembleia.

“Nós montamos o orçamento e percebemos que não tem de onde sair o dinheiro. Não vamos deixar São Paulo virar um Rio de Janeiro”, afirma o presidente do Legislativo paulista, Cauê Macris (PSDB), referindo-se à crise financeira do estado vizinho. Macris é apoiador da campanha de João Doria e tenta viabilizar uma vaga para concorrer ao Senado na chapa tucana.

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Mirante na Ilha Porchat: o projeto foi assinado por Oscar Niemeyer (Cesar Morgado/Veja SP)

Para construir sua candidatura à reeleição ao Bandeirantes, França precisará abrigar políticos de partidos da sua coalizão. “Quem não estiver ao meu lado na campanha vai deixar o cargo”, determina. Alguns secretários estaduais já estão de saída, por serem candidatos a deputado, como Arnaldo Jardim (PPS, Agricultura), Samuel Moreira (PSDB, Casa Civil), José Luiz Penna (PV, Cultura) e Floriano Pesaro (PSDB, Desenvolvimento Social).

Enquanto perde alguns aliados, França quer angariar tucanos insatisfeitos com a candidatura de Doria. Um exemplo é o deputado estadual Barros Munhoz, um dos mais antigos da Assembleia, que está trocando o PSDB pelo PSB. “Não concordei com a saída do prefeito após pouco tempo no cargo. Deixarei o partido com dor no coração.”

Márcio França já foi secretário de Turismo de Alckmin entre 2011 e 2012 e, além da vice-governança, ocupa a Pasta de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação desde 2015. No posto, não conseguiu tirar do papel a ideia de transformar o Parque Tecnológico do Jaguaré, vizinho à USP, no “Vale do Silício” de São Paulo. Até agora, nenhuma empresa se mudou para o local, apenas a própria secretaria.

Sobre o período na prefeitura de São Vicente, onde ficou de 1997 a 2004, ele se vangloria de ter atraído a atenção de Mário Covas. Em 2001, de cadeira de rodas, o então governador esteve em visita à recém-urbanizada favela México 70. Morreu logo depois, de câncer. Agora, França tenta atrair o filho dele, Mário Covas Neto, que no mês passado anunciou a saída do PSDB para se filiar ao Podemos, da mesma coligação do PSB. “Ele estará na cabeça da nossa chapa, seja como vice, seja em uma das duas vagas ao Senado”, afirma.

Com a família: 40 quilos a menos em um ano (Arquivo Pessoal)

Formado em direito pela Universidade Católica de Santos, casado, pai de dois filhos (um deles é deputado estadual) e avô de dois netos, França diz que gosta de pegar onda e pescar. Não deixou de comer o que mais aprecia — carne, peixe e comida japonesa — depois da cirurgia de redução do estômago, que lhe custou 7 000 reais. A diferença é a quantidade ingerida. “Até o ano passado, eu comia uma pizza inteira e queria mais. Hoje me satisfaço com um pedaço apenas.”

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Apesar de durante a semana morar sozinho em um flat no Itaim, seu gosto por cozinhar não desapareceu. A ideia da foto abaixo foi dele. Suas especialidades são frutos do mar e risoto. “Já cozinhei para mais de 1 000 pessoas de uma só vez”, diz, referindo-se a jantares sociais que promoveu ao lado da esposa, Lúcia, na Baixada Santista.

França, em restaurante nos Jardins: “Só ficará quem me apoiar nas eleições” (Alexandra Battibugli/Veja SP)

Além de exercer os mandatos eletivos, o presidente estadual do PSB foi coordenador da campanha de Anthony Garotinho à Presidência em 2002. Em 2014, repetiu a dose com Eduardo Campos. A empreitada terminou de forma trágica, em agosto daquele ano, com a morte do candidato após a queda do jato Cessna Citation 560XL, em Santos. “Era para eu estar naquele voo”, diz França, que ficou em terra para resolver questões burocráticas da campanha. “Viajei dezenas de vezes naquele avião.”

Acertos e encrencas

A trajetória em São Vicente, onde foi prefeito por dois mandatos

As ambições do novo governador eram visíveis nos oito anos em que foi prefeito de São Vicente, a partir de 1997. Na cidade de 360 000 habitantes do litoral paulista, apostou em obras de embelezamento e na promoção da cidade, com monumentos — um deles dedicado a um mito de um homem metade peixe —, reurbanização da orla e o fim de um lixão instalado no local há mais de três décadas.

Na onda dos 500 anos do descobrimento do Brasil, a prefeitura incentivou empresários a patrocinar um desfile da escola de samba carioca Beija-Flor que homenageava a cidade, convidou o então onipresente arquiteto Oscar Niemeyer para projetar um mirante na Ilha Porchat e passou a convidar atores globais para a encenação que reproduz a fundação do lugar, em 1532.

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Praça do Ipupiara: lenda indígena ganhou monumento (já desaparecido) em São Vicente durante sua gestão (Gilberto Grecco/Veja SP)

França foi reeleito com 93% dos votos nos anos 2000. No pleito seguinte, conseguiu eleger Tercio Garcia, seu indicado, que não repetiu a popularidade. Em 2012, tentou lançar o filho Caio França, atualmente deputado estadual, que perdeu no primeiro turno. Pedro Gouvêa, cunhado de França, no entanto, teve mais sorte. Conquistou a prefeitura em 2016 com a promessa de realizar obras com o apoio do governo do Estado de São Paulo e do padrinho político.

Apesar dos quase vinte anos comandando a cidade, o clã de França não conseguiu erradicar problemas crônicos em São Vicente, como as moradias irregulares em favelas e palafitas. O PIB per capita do município é de 14 119 reais, o menor de toda a Baixada Santista, de acordo com o IBGE. Houve esforço para reurbanizar uma das maiores favelas da região, a México 70, com projeto iniciado em meados de 1990 pelo governo estadual, à época encabeçado por Mário Covas, aliado de França.

Mesmo assim, parte do espaço ainda é tomada por barracos improvisados. A última ocupação irregular da cidade ocorreu na encosta do Morro do Itararé, área remanescente da Mata Atlântica na região.

Com reportagem de Mariana Rosário

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