O universo das baladas AAA
Disco é a mais antiga das boates voltadas para os bacanas em atividade. Em 2005, surgiu a Museum, que puxou uma leva de endereços do gênero
Basta dar uma olhada nos carros parados na entrada e tirar qualquer dúvida sobre o nível da noitada que está para começar. As vagas localizadas perto da porta servem como uma espécie de vitrine para os veículos mais chamativos. Pipocam ali Ferraris, Lamborghinis e Mercedes. Outros modelos finos, como BMW, Land Rover ou Porsche, também marcam presença. A maioria dos frequentadores não deixa de torcer o pescoço para dar uma olhadinha.
Há motoristas que preferem levar a chave ou exigir cuidados extras com seus xodós de rodas. Os manobristas, que dirigem esses tesouros com atenção redobrada, agradecem quando o habitué mão aberta resolve desembolsar mais do que os 25 ou 28 reais cobrados pelos estacionamentos. Caixinhas de até 100 reais deixam esse pessoal bem contente. “Nem sempre quem chega de carrão dá as melhores gorjetas”, conta Joaquim Lima, coordenador dos quase trinta manobristas da Kiss & Fly, na Vila Olímpia. “Quando os homens estão acompanhados, tendem a esbanjar dinheiro para impressionar as mulheres.” Lima consegue tirar por volta de 300 reais, além do salário, por noite. São três por semana. Se ele tiver sorte de encontrar clientes generosos, poderá ganhar no mês (só de caixinha) algo em torno de 3 600 reais.
Dinheiro — O céu é o limite quando se pensa nos gastos ao passar pela hostess sargentona na porta de uma balada classe AAA. Com contatos certos, muitos até entram de graça. Mas há quem desembolse uma grana alta pelo ingresso — e nesse caso são os homens que saem perdendo. “Preferimos que entre um maior número de mulheres, porque elas atraem os rapazes”, diz Cássio Gebara, um dos sócios da Pink Elephant, no Itaim. Para comprar um camarote lá, ao preço mínimo de 3 500 reais para seis pessoas, é necessário que pelo menos a metade do grupo seja feminina. Na Mokaï, que fica nos Jardins, o ingresso masculino com consumação mínima começa em 300 reais (mais que o triplo do feminino) e pode subir para 500 reais com o passar da noite, dependendo do número de homens lá dentro. Algumas pessoas não se importam em pagar se souberem que a balada está bombando, mesmo que falte pouco tempo para a casa fechar. Nos caríssimos camarotes perto dos DJs, os preços são ainda mais salgados: o Club A, no Brooklin, cobra 20 000 reais pelo espaço vip, com capacidade para trinta pessoas.
Clientela — A apresentadora Sabrina Sato e a atriz Maria Fernanda Cândido compareceram à inauguração do Club A em 2009. No mesmo ano, o craque Ronaldo, do Corinthians, foi visto rodeado de garotas na Pink Elephant. Atualmente, a modelo Isabella Fiorentino bate cartão na Disco, no Itaim. Ter grandes estrelas como clientes não é para qualquer balada. Entretanto, nos endereços de luxo, elas aparecem em peso. Também fazem uma visita empresários poderosos, assim como seus herdeiros. “Os contatos dos sócios e promoters da casa fazem toda a diferença”, diz Edgar Gomes, administrador da Museum, no Brooklin. Para aproveitar clubes requintados, deve-se ter mais do que dinheiro. Os homens precisam esbanjar status e relacionamentos certeiros. Geralmente lindas e com fama de antipáticas, as disputadas hostesses têm olhar treinado para saber quem deve ou não conseguir o carimbo no passaporte para a diversão. O habitual discurso “Você sabe com quem está falando?” não surte efeito algum, já que grande parte dos clientes se mostra em pé de igualdade nesse quesito. É comum ver dezenas de desavisados ficar no sereno por não terem encontrado seu nome na lista. Já para as mulheres, o visual está acima de tudo, e uma produção caprichada conta muitos pontos na hora de entrar.
Decoração e estrutura — Filiais de danceterias americanas, a Mokaï, a Kiss & Fly e a Pink Elephant seguem o modelo de decoração da casa-mãe. Na Pink, as meninas mais exibidas podem subir nos sofás vermelhos para dançar à vontade. Se os saltos, por acaso, furarem o tecido, ele se regenera devido a uma tecnologia especial. A iluminação foi projetada pela mesma equipe do Museu do Louvre. No caso de algum problema com o look, as garotas têm a opção de recorrer ao camarim, no qual encontram um cabeleireiro e uma maquiadora de plantão, que usam nas clientes produtos da Dior. Dois coqueiros de cristal esculpidos a mão destacam-se no Club A, monitorado por 53 câmeras de segurança. O empreendimento do apresentador Amaury Jr. teve investimento inicial de 8 milhões de reais — o maior em relação ao de outros endereços. Um grande painel dos irmãos Campana é a estrela da arquitetura da Disco, elaborada por Isay Weinfeld. Lustres portentosos são objetos obrigatórios nas casas premium. Composto de 38 000 cristais, o da Kiss & Fly, avaliado em 200 000 dólares, foi importado da Itália. Quem for à Museum precisa só dar um passinho para fora da pista para conversar sem levantar a voz. As caixas de som “direcionadas” limitam a música alta a uma única área.
O mesmo brilho
Lustres chamativos são as estrelas da decoração:
Club A
Kiss & Fly
Pink Elephant
Pista de dança — Não espere que um “com licença” funcione na hora de transitar pelo salão. Os pés da clientela, na faixa dos 20 aos 30 anos e dividida em rodinhas, parecem estar enraizados e há uma grande quantidade de camarotes obstruindo a passagem. Esbarrões são bastante comuns. Outra tarefa difícil é localizar alguém no clima de “jogação” na pista. Comedidos, os bacanas preferem manter a pose a arriscar passos espalhafatosos. Pessoas suadas, então, tornam-se objeto de estudo, de tão raras. Na Kiss & Fly, existe um jato periódico de fumaça gelada para refrescar o pessoal.
A visão que se tem do ambiente desses clubes é bastante agradável, repleta de gente bonita. Quase todos os meninos se vestem da mesma forma, com camisas das marcas Sergio K., Ralph Lauren, Lacoste ou Tommy Hilfiger, jeans e relógios bacanas. Rosto conhecidíssimo das baladas chiques, o modelo Vanderlei do Sacramento exibia tal uniforme na pista da Kiss. As garotas gostam de ousar com maquiagem carregada, joias e roupas de grife cheias de brilho. Pernas de fora são quase obrigatórias, além de um belo salto, que faz com que as baixinhas se sintam em terra de gigantes (já que a maioria das moças é alta e tem pinta de modelo). Os cabelos surgem impecáveis, quase sempre lisos e loiros. “Prefiro um visual mais chamativo ao que exibo no dia a dia”, afirma a relações-públicas Tice Abreu, de 30 anos, que circulava pela Disco com sapatos Schutz, vestido de paetês NK Store, bolsa Chanel e penteado elaborado no Studio W. Em points dedicados aos maduros, como o chiquérrimo Clube A, não é difícil topar com elegantes senhores de terno e moças, geralmente bem mais jovens, usando vestidos longos. O house, gênero da música eletrônica influenciado pela disco, reina absoluto na trilha sonora dessas casas. Algumas delas contratam dançarinas que apimentam a festa com performances sensuais no meio da madrugada.
Champanhe — Velas com efeito estrela podem ter lugar em cima de bolos de aniversário, mas nas baladas de luxo elas possuem outra utilidade. Vêm amarradas no gargalo das garrafas de champanhe — o combustível oficial de uma noitada numa casa bacana — e são acesas na hora de servir a bebida, para chamar atenção mesmo. O truque cria uma competição monstro baseada na vaidade de frequentadores que curtem ostentar seu status. Também funciona como um chamariz para meninas interesseiras. “Eles se sentem poderosos e começam a convidar as garotas para os camarotes. Eu fujo das mesas cheias de velinhas apagadas”, diz a estudante de moda e ex-modelo Bianca Senatore, de 19 anos. Cada “cercadinho” conta com uma garçonete particular. E elas, tão lindas quanto algumas das clientes, trabalham vestidas com caprichados uniformes. Decorada com imagens da rainha francesa Maria Antonieta, a Mokaï possui um freezer trancado a cadeado. Lá dentro, além de champanhes Moët Chandon, resfria uma garrafa de 12 litros de Veuve Clicquot que custa 33 000 reais, preço de um carro popular. Na Pink, são vendidas cerca de cinquenta garrafas de champanhe toda noite por preços que vão de 525 a 7 000 reais. Faça as contas: se forem consumidas apenas as garrafas mais baratas, a clientela deixará lá 26 250 reais — só de champanhe.
Funcionárias e gatas
Amanda Gusmão
Sonielle Sentian