“Sou grato a Bolsonaro”, afirma ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho
O presidente foi o único a defendê-lo após o massacre do Carandiru; em entrevista à Vejinha, Fleury critica o “radicalismo” do governador fluminense Witzel
Vinte e sete anos depois de estar à frente do massacre do Carandiru, a maior tragédia carcerária da história do país, o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho (MDB-SP) parece sereno ao falar a respeito de um assunto que já lhe rendeu muitas críticas. Aos 70 anos, ele recebeu a Vejinha em seu escritório, nos Jardins, para dizer que não guarda nenhum remorso pelo que aconteceu e manifestar gratidão a quem hoje está no centro do poder no Brasil e compactua com sua visão linha-dura na segurança. Apenas um político o apoiou publicamente quando 111 detentos foram mortos depois que a polícia invadiu um centro de detenção — um deputado federal do baixo clero da Câmara que, quase três décadas mais tarde, alcançaria o mais alto cargo da República: Jair Bolsonaro (PSL). “Ele foi o único deputado a me defender na tribuna. E isso é algo de que não me esqueço. Sou grato a ele”, revela. A relação entre ambos ficou mais próxima quando Fleury cumpriu dois mandatos como deputado federal, entre 1999 e 2007, o que deixa o ex-governador à vontade para falar do ex-companheiro de Casa. “É um homem muito inteligente. Muitos o subestimam, mas estão subestimando a pessoa errada”, relata.
Embora mantenha uma retórica agressiva em temas relacionados à segurança pública, Fleury critica aqueles a quem chama de “radicais”. Foi assim que ele classificou o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), protagonista de ações que geraram polêmicas em seus nove meses de gestão. Em uma delas, Witzel aparecia em um vídeo sobrevoando uma favela junto com policiais que atiravam aleatoriamente, sob o argumento de estar combatendo o crime no estado. Também sob sua batuta, uma operação policial resultou na morte de Ágatha Vitória Sales Félix, menina de 8 anos que voltava com a mãe para casa, no Complexo do Alemão, e estava dentro de uma Kombi. “Witzel é radical. Mais do que Bolsonaro”, afirma. “O governador tem de dar força ao bom policial. Eu os incentivava, mas também punia quem se excedia. Se não fizer isso, você acaba criando uma permissão para matar”, conclui. O ex-governador tem boa avaliação sobre João Doria, do PSDB, que hoje ocupa o cargo que já foi dele. “Ele faz bom uso das redes sociais. Só precisa tomar cuidado para não frustrar expectativas.”
A operação que resultou no massacre do Carandiru foi o fato mais lembrado do governo Fleury, entre 1991 e 1994. Tratava-se de uma ação montada pelo então governador paulista para conter uma rebelião de presidiários que eclodiu dentro da Casa de Detenção do Carandiru, na Zona Norte, em 2 de outubro de 1992, mas a intervenção ostensiva da polícia resultou na morte de mais de uma centena de presos. “Não tenho nenhum tipo de arrependimento. Faria tudo o que fiz de novo. Tenho responsabilidade política pelo que houve. Não me eximo dela. Mas responsabilidade pessoal eu não tenho”, afirma Fleury, ao criticar a Justiça e os órgãos que investigaram se tinha havido excessos na ação policial no centro de detenção paulistano. “O Ministério Público esqueceu de colher provas. Tem policial que chegou a ser condenado e que entrou lá sem arma. E há policial que atirou à vontade e nunca foi indiciado.” Fleury, também ex-promotor de Justiça, diz ter sido alvo de uma onda de “ataques oportunistas” de adversários. “Houve uma carga muito forte em cima de mim.”
Catapultado pela atuação na invasão do Carandiru, o coronel Ubiratan Guimarães, que encabeçou a ação dentro do presídio, entrou para a política. Ele se candidatou a deputado estadual em 1994 e 1998, mas só conseguiu se eleger em 2002, com mais de 56 000 votos. Reeleito quatro anos depois, foi encontrado morto em casa em 2006. Visivelmente mais magro, Fleury se recupera de uma cirurgia feita na semana passada para corrigir uma lesão no fígado. Afastado da vida política, o ex-governador tem uma rotina metódica. Acorda cedo em sua casa, no Pacaembu, e trabalha a maior parte do dia como advogado. À noite, dedica-se aos livros. Pretende terminar de ler Como as Democracias Morrem, escrito pelo cientista político Steven Levitsky. Para se divertir, apela para a Netflix. Está na última temporada de La Casa de Papel, mas admite que sua série predileta é Game of Thrones.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 02 de outubro de 2019, edição nº 2654.