Primeiro, surgem restos de construção, como pedaços de madeira, telhas quebradas, tijolos e fragmentos de concreto amontoados uns sobre os outros. É a senha para que moradores do entorno comecem a depositar ali seu lixo doméstico. À espera da passagem do caminhão da coleta, que muitas vezes está a horas de ocorrer, dezenas de sacolas plásticas vão sendo incorporadas à já degradada paisagem. Quem passa pelo local se sente então liberado para fazer a sua “contribuição”: papéis, garrafas e embalagens são largados sobre a sujeira acumulada. Em pouco tempo, o espaço fica tomado pela imundície, impedindo a passagem de pedestres e atraindo ratos e baratas. Está armado o cenário para que, na primeira chuva, tudo seja arrastado para as bocas de lobo e ajude a provocar enchentes. Em todo o município, existem ao menos 1 500 pontos de descarte irregular de lixo, segundo estimativa da prefeitura.
A Rua Doutor Tomás de Lima, na região da Sé, é um dos locais que mais chamam atenção. Quem passa por ali sente um cheiro de embrulhar o estômago. Montes de sacos empilhados podem ser encontrados a cada 20 metros. “Tenho vergonha de receber visitas”, diz a moradora Teresa Scholl, que reclama ainda da alta frequência de roedores e insetos rasteiros dentro de casa. Segundo ela, moradores de rua que rasgam e reviram as sacolas à procura de comida e material reciclável agravam o problema. “Cansei de pedir a instalação de lixeiras fechadas”, afirma. A prefeitura, no entanto, alega que a legislação impede a implantação, já que isso comprometeria o acesso à calçada — como se o lixo esparramado já não atravancasse o bastante a passagem dos pedestres.
Para tentar conter esse ciclo de emporcalhamento, o prefeito Gilberto Kassab sancionou uma lei na semana passada que eleva de 500 reais para 12 000 reais a multa para descarte de lixo e entulho acima de 50 quilos em calçadas e demais áreas públicas. A norma pune ainda as concessionárias que prestam serviço em vias públicas e não consertam o asfalto ou a calçada com multa diária de 2 000 reais por metro quadrado danificado. Segundo o autor da proposta, o vereador Domingos Dissei (DEM), o principal alvo da medida são as empresas clandestinas que oferecem caçambas para recolher restos de materiais de construção e, sem dispor de destinação adequada, despejam tudo em canteiros e descampados. “Com o aumento do valor da punição, elas pensarão duas vezes antes de descarregar em qualquer lugar”, acredita. No site da prefeitura, há uma lista de empresas licenciadas para a tarefa. Com o intuito de fazer valer a nova legislação, blitze ocorrerão em horários alternados, comandadas por uma equipe de cada subprefeitura em parceria com policiais militares. Veículos pegos em flagrante ao descartar lixo irregularmente ficarão apreendidos até o pagamento da multa. Focos de lixo também serão alvo da ação. “Chegamos a um ponto em que lixo e entulho são parte de um mesmo problema”, diz o secretário de Coordenação das Subprefeituras, Ronaldo Camargo.
Mesmo os ecopontos, locais destinados pela prefeitura para o descarte de entulho, incluindo móveis velhos, galhos de poda e recicláveis, apresentam problemas. São 36 na cidade, ou seja, um para cerca de 306 000 habitantes — a meta para 2012 é que haja 96, um em cada distrito. Boa parte funciona apenas de segunda a sexta entre 7 e 17 horas. Assim, há quem chegue e, ao deparar com os portões fechados, descarregue do lado de fora mesmo. Bem em frente aos portões do ecoponto da Avenida Aricanduva, por exemplo, a reportagem encontrou toda sorte de detritos, de vigas de madeira a sofá usado. Funcionários afirmam ser comum o aparecimento de resíduos durante a madrugada. A prefeitura admite estudar outros modelos de funcionamento para esses espaços, como também intensificar as operações cata-bagulho, coletas semanais de pneus, móveis e utensílios quebrados, realizadas pelas subprefeituras.