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Livrarias de rua desafiam grandes redes e movimentam bairros

Com propostas diferenciadas e atendimento personalizado, seus idealizadores conquistam a atenção e a fidelidade dos clientes

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 14 fev 2020, 16h00 - Publicado em 20 jul 2018, 06h00
 (Alexandre Disaro/Veja SP)
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Sim, você pode comprar um ou mais livros sentado na frente do computador, no conforto de sua casa, ao alcance de poucos cliques. Raros prazeres, no entanto, para os amantes da boa leitura, são comparáveis ao de entrar em uma livraria, folhear algumas publicações e sair de lá com as novas aquisições debaixo do braço. Essa compra também pode ser feita em grandes lojas, instaladas em shopping centers e com outras dezenas de serviços oferecidos na sequência. As livrarias de rua, espalhadas pela cidade, porém, não entregam os pontos e resistem diante da concorrência das redes.

Com propostas diferenciadas e atendimento personalizado, há as que fidelizam clientes e viram um local de encontro, com programações que ultrapassam o comércio, função a que são originalmente destinadas. Segundo levantamento da Associação Nacional de Livrarias, existem na metrópole 300 estabelecimentos do gênero, e alguns deles, visitados por VEJA SÃO PAULO, comprovam que o empenho de seus idealizadores e a paixão dos leitores ainda fazem do livro um bom negócio.

Múltipla em Perdizes

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“Esta é a livraria que eu quero ter para o resto da vida”, diz Lúcio Zaccara, da Zaccara (Alexandre Disaro/Veja SP)

O paulistano Lúcio Zaccara, de 60 anos, dispensa a modéstia para definir sua loja. “Não existe nenhuma como a minha na cidade, pelo menos com a mesma proposta”, orgulha-se o responsável pela Zaccara, que assumiu ares de centro cultural e realiza lançamentos, exposições e sessões de shows e peças de teatro intimistas.

Inaugurado em 1982, o primeiro empreendimento do ex-estudante de direito, que nunca completou as disciplinas do 1º ano, era dedicado aos discos e ficava no outro lado da mesma rua, a Cardoso de Almeida. Em 1997, Zaccara comprou um casarão de dois andares e 180 metros quadrados e, depois de uma década de reforma, abriu sua charmosa livraria.

Em meio ao selecionado acervo literário, é claro, há CDs e vinis, ainda hoje suas grandes paixões. Cada detalhe é cuidado por Lúcio e Cris, sua mulher há 36 anos. Sem funcionários, os dois recebem a visita semanal de uma faxineira e contratam garçons para os coquetéis das sessões de autógrafo. Entre lançamentos das grandes editoras, títulos alternativos e publicações raras, Zaccara garante que a crise não afeta seus negócios. “Esta é a livraria que eu quero ter pelo resto da vida, não imagino filiais e confio na sensibilidade de quem compra uma obra e espera disso uma experiência”, completa o proprietário, que também aluga espaço para coworking no estabelecimento.

Livraria Zaccara. Rua Cardoso de Almeida, 1356, Perdizes, ☎ 3384-0908. Horário: 10h/19h (seg. a sex.); 10h/18h (sáb.).

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Uma banca para o agito

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O casal João Varella e Cecilia Arbolave: fundadores da Banca Tatuí (Alexandre Disaro/Veja SP)

“Olha, esses dois meninos mudaram a vida da vizinhança”, comenta o manobrista de um estacionamento da Rua Barão de Tatuí. “A gente pensou que eles estavam vindo para cá fazer bagunça, mas foi legal para todo mundo”, completa. Os meninos em questão são o gaúcho João Varella, de 33 anos, e a argentina Cecilia Arbolave, de 32. Casados há treze anos, os jornalistas fundaram a Banca Tatuí, que desde 2014 colabora para a revitalização cultural e boêmia de Santa Cecília.

A dupla, que, em 2012, criou a Editora Lote 42, encontrou na loja de 6 metros quadrados a vitrine física para suas publicações. Até então, elas eram acessadas pela internet. Não demorou para que outras editoras, como a Dublinense, a Laranja Original e a Experimentos Impressos, entrassem em contato para expor também por lá as novidades.

Hoje, mais de 1 000 títulos ficam ao alcance da clientela. Os lançamentos viraram rotina e os shows — um deles até usou a estrutura superior da banca como palco — extrapolam os limites da calçada. A próxima empreitada de Varella e Cecilia é a inauguração, em agosto, da Sala Tatuí, no 4º andar de um prédio diante da banca.

Inspirada em um conceito argentino, será uma livraria que vai receber com hora marcada, dar um atendimento personalizado, inclusive na escolha das obras, e promover cursos e debates. O trabalho ganhou um reconhecimento inesperado: em junho, a Banca Tatuí faturou o Prêmio Milton Santos, oferecido pela Câmara Municipal de São Paulo, que destaca projetos de desenvolvimento cultural e social.

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Banca Tatuí. Rua Barão de Tatuí, 275, Santa Cecília, ☎ 98873-4555. Horário: 10h/18h30 (seg. a sáb.).

Território do Japão

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O japonês Joji Aso, responsável pela principal livraria da Liberdade (Alexandre Disaro/Veja SP)

Aos 61 anos, o japonês Joji Aso, que migrou para o Brasil ainda bebê, vasculha as estantes da Livraria Fonomag e, a cada cliente atendido, identifica sua missão: devolver aos brasileiros e aos conterrâneos aqui radicados as oportunidades recebidas nos dois países. Formado em engenharia eletrônica, ele assumiu a loja — fundada em 1978 por seu sogro para vender discos e publicações importadas — há 22 anos, e percebeu a hora de se adaptar aos novos tempos.

“O mercado fonográfico se mostrava enfraquecido, e a comunidade passou a procurar obras de japoneses traduzidas no Brasil”, conta. A clientela ganhou outra dimensão. Segundo Aso, hoje apenas metade do seu público descende de sua terra natal. Publicações didáticas e dicionários para interessados em estudar o idioma nipônico dividem as prateleiras com os mangás, adorados pelos jovens, e obras de ficção.

Autores celebrados, como Haruki Murakami, Yasunari Kawabata e Kazuo Ishiguro, são encontrados em traduções e no original. Aso sustenta a loja porque atende conforme a demanda. “Nos últimos anos, verifiquei que executivos de multinacionais viram a necessidade de estudar japonês, e investi nesses fregueses potencialmente frequentes”, diz ele, que tem seis funcionários fixos.

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Fonomag Livraria. Rua da Glória, 242, Liberdade, ☎ 3104-3329. Horário: 8h30/18h30 (seg. a sex.); 8h30/17h (sáb.); 10h/17h (dom. e feriados, sob consulta).

O editor dos independentes

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Eduardo Lacerda, poeta e fundador da Patuscada (Alexandre Disaro/Veja SP)

A Patuscada Livraria, Bar e Café, em Pinheiros, nasceu em 2015 por uma necessidade da Editora Patuá, criada quatro anos antes. O fundador e poeta Eduardo Lacerda, de 36 anos, precisava de um espaço para vender os títulos e, principalmente, realizar lançamentos, debates e festas em que se reunissem os autores e interessados. Para dar a largada, organizou uma campanha de financiamento coletivo na internet e arrecadou 40 000 reais, usados para alugar e reformar uma casa que estava vaga, em frente ao Cemitério São Paulo, a poucos metros de onde mora.

O sucesso foi instantâneo: a Patuscada mantém, no mínimo, três eventos semanais e virou referência para escritores independentes Brasil afora. Entre garrafas de cerveja, shows e partidas de bilhar, o público manuseia e compra livros da Patuá e de editoras alternativas, como a Reformatório, a Confraria do Vento e a Moinhos. São mais de 30 000 exemplares espalhados nas prateleiras ou empilhados no chão ou sobre os móveis e, na ausência de eventos, Lacerda só abre a loja mediante contato por telefone. “Vendo uma média de 500 livros por mês, contando o que sai pela internet, que é, sem dúvida, um parceiro fundamental nos dias de hoje”, afirma ele.

Patuscada Livraria, Bar e Café. Rua Luís Murat, 40, Pinheiros, ☎ 96548-0190. A loja não tem um horário determinado. Visitas devem ser agendadas por telefone.

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Livro também é brinquedo

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Celina Bodenmüller: livros infantis e brinquedos (Alexandre Disaro/Veja SP)

Filha de um operário e uma tecelã, a catarinense Celina Bodenmüller, de 53 anos, aprendeu a amar os livros na escola. Nas horas vagas, a menina se exilava na biblioteca para folhear e até brincar com os exemplares disponíveis. A vida correu, ela se transformou em executiva de um grande banco e, de repente, se viu sufocada pela agenda e com pouco tempo para o filho, hoje com 25 anos. Em 2007, inaugurou a PanaPaná, dedicada exclusivamente aos pequenos e que também vende brinquedos.

“Em nenhum momento eu sonhei abrir uma grande empresa, procurava uma curtição que também fosse meu trabalho”, diz Celina, que garante ler e reler tudo o que adquire para o acervo. “Logo percebi que, para comercializar livros, é preciso estudar, conhecer autores, ilustradores e, principalmente, gostar do objeto, porque os clientes pedem nossa orientação”, declara.

Nos meses de férias, a loja da Vila Clementino ferve com eventos de contação de histórias e o projeto Autores Amigos da PanaPaná, que convida profissionais para falar de suas criações à garotada. Celina também virou escritora. Desde 2015, lançou seis livros, quatro deles sobre dinossauros e a pré-história. Ela se emociona cada vez que vê um garoto manuseando os produtos da loja. “O livro é para ser sentido e, se por acaso a criança amassar ou rasgar alguma página, não tem problema. Faz parte do meu negócio”, completa.

PanaPaná Livraria Infantil. Rua Leandro Dupré, 396, Vila Clementino, ☎ 5082-2132. Horário: 9h/18h (seg. a sáb.).

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De olho no leitor do futuro

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Gislene Gambini, da NoveSete: “Quem começa a mexer num livro, manipulá-lo desde cedo, não perde o hábito” (Alexandre Disaro/Veja SP)

A livreira Gislene Gambini, de 62 anos, decidiu investir no público infantil e juvenil por causa de sua filha, hoje uma advogada de 25 anos. “Achava as lojas voltadas para a idade dela descuidadas, pouco atraentes”, afirma Gislene, que trabalhava no mercado editorial e, em 2003, comprou um imóvel na Vila Mariana. Quatro anos depois, a NoveSete abriu as portas e, graças ao rigor de sua dona, firmou-se como referência para moradores e estudantes de escolas da região.

São mais de 8 000 títulos dispostos em prateleiras ao alcance dos pequenos e organizados por faixa etária. “Eu não vendo nada que seja reprodução do que se vê na televisão, então não trabalho com produtos licenciados da Disney”, diz. Apresentações de teatro infantil, música e rodas de leitura com entrada franca são realizadas na livraria e movimentam o local, principalmente aos sábados. “Formamos leitores para o futuro”, afirma. “Quem começa a mexer num livro, manipulá-lo desde cedo não perde o hábito.”

Livraria NoveSete. Rua França Pinto, 97, Vila Mariana, ☎ 5573-7889. Horário: 10h/18h30 (seg. a sex.); 10h/18h (sáb.).

Novidade no Bixiga

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Equipe simples: Felipe Faya, Adalberto Ribeiro e Felipe Beirigo (Alexandre Disaro/Veja SP)

Um sobrado com cara de residência, estantes de ferro do chão ao teto e até um gato que circula tranquilamente pelas peças. Assim é a Livraria Simples, novidade do Bixiga, que abriu as portas no dia 14. “Vendemos com a mesma atenção e entusiasmo os clássicos russos ou obras espíritas, como as de Zíbia Gasparetto. Por isso o nome é Simples”, define Adalberto Ribeiro, de 36 anos, sócio ao lado de Felipe Faya, de 30. Os dois cuidam diretamente de tudo na loja ao lado de um funcionário, Felipe Beirigo.

A história da Simples, no entanto, tem mais de dois anos. A primeira loja nasceu para proveito de amigos, fregueses indicados e clientes da internet na garagem de uma casa no bairro da Mooca. Aos poucos, começou um burburinho na tranquila Rua dos Bancários, e a transferência se concretizou depois que Faya herdou um imóvel na Bela Vista.

Ribeiro garante que cada passo é dado com cautela e acredita que o modelo de estabelecimentos pequenos espalhados pelos bairros é o que melhor se adéqua ao mercado atual. “Queremos quebrar a imagem de que livrarias são ambientes austeros, sisudos”, diz Ribeiro, que começou a trabalhar aos 16 anos na Livraria Loyola, passou ainda pela extinta Haikai e pela Cultura e se formou em letras na PUC em 2011. “Temos mais de 8 000 títulos, mais de 70% deles novos, então queremos que as pessoas entrem, procurem o que lhes interessar e, se possível, comprem nossos livros.”

Livraria Simples. Rua Rocha, 259, Bela Vista, ☎ 3443-9992. Horário: 10h/19h (seg. a sáb.).

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