Lei Seca provoca mudança de hábitos
Donos de restaurantes, bares e baladas criam alternativas para superar a queda na venda de bebidas alcoólicas
Famoso por suas caipirinhas, o barman Deusdete Neres de Souza tem trabalhado menos ultimamente. O consumo de álcool no bar Veloso, na Vila Mariana, caiu 30% desde o dia 20 de junho, quando entrou em vigor a lei que praticamente proíbe os motoristas de dirigir depois de ingerir alguma bebida. Ele vem atendendo cada vez mais clientes como a estudante de farmácia Shaista Pedroso, que passa longe das cervejas, coquetéis e afins quando não descola uma carona para casa. “Sou a favor da lei”, diz ela. “É a única forma de conscientizar as pessoas.” Além da queda no consumo em bares e restaurantes, a mudança de comportamento do paulistano vem revelando números surpreendentes – e muito positivos. De acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública, após a implantação da Lei Seca houve redução de 57% nas mortes por acidentes de trânsito na cidade. Já o Centro de Operações dos Bombeiros (Cobom) detectou uma diminuição de 63% nas colisões de veículos e atropelamentos nos fins de semana (veja quadro).
As blitze da polícia repercutiram no sistema de saúde. No fim de semana dos dias 13, 14 e 15 de junho (pouco antes da entrada da lei em vigor, portanto), as equipes de emergência do Hospital das Clínicas atenderam 38 feridos em acidentes de trânsito. Um mês depois, agora em julho, entre os dias 11 (sexta) e 13 (domingo), esse número caiu para 24 pessoas. Ou seja, 36%. “Um paciente em estado grave pode custar até 250 000 reais ao HC”, diz Celso Bernini, diretor do Serviço de Cirurgia de Emergência do hospital. “Nós operamos no limiar das vagas, e essa redução nos dá fôlego para atender outros doentes críticos.” Para o trabalho de fiscalização, a Polícia Militar mobilizou até o momento 1 100 homens. Foram abordados 4 198 motoristas e realizados 1 832 testes com bafômetro. Até o último domingo (13), 88 motoristas receberam multa e outros 61 acabaram presos. “Vamos continuar com as operações e investir 2,6 milhões de reais na compra de mais 400 bafômetros”, anuncia o secretário da Segurança Pública, Ronaldo Marzagão. A PM tem 51 desses aparelhos.
Donos de bares e restaurantes buscam soluções para conter a queda no faturamento. “O consumo de batidas e caipirinhas caiu 50% nos dias de feijoada”, conta Belarmino Iglesias, proprietário da rede Rubaiyat. “Só na Figueira vendíamos 2 000 doses aos sábados.” Na última quarta, o administrador Marcus Trugilho marcou um almoço de negócios com o publicitário Ivan Rysovas. A feijoada foi acompanhada por suco de laranja. “Essa é uma lei que está pegando”, diz Trugilho. Importadoras de vinho também já sentiram o impacto. A World Wine vendia 10 000 garrafas por mês a 250 restaurantes em São Paulo. Desde o dia 20, comercializou 3 000 unidades a menos. “A lei trouxe uma dificuldade, mas vidas estão sendo salvas, e não podemos desprezar isso”, pondera o proprietário, Celso La Pastina. Nos restaurantes, a nova postura dos clientes chama atenção. “Tenho percebido que as mulheres estão assumindo o volante na volta para casa”, diz o restaurateur Rogério Fasano, que sentiu uma redução de 15% nos pedidos de vinho da mais refinada de suas casas, o Fasano. “O cliente está vindo de táxi ou com motorista, inclusive à noite”, afirma o chef Alex Atala, do D.O.M.
Nos bares, a queda no consumo foi forte. “O movimento caiu 40%”, estima Marcelo Mello, dono do Porto Luna, no Itaim Bibi. Ele criou uma promoção: a cada quatro clientes, o que for dirigir pode escolher um prato do cardápio, duas bebidas não-alcoólicas, sobremesa e café. Tudo por conta da casa. “É um gesto de atenção com o cliente que não vai beber”, elogia a advogada Andrea Serson, que adotou um revezamento de carros ao sair com as colegas do trabalho. “Agora, sempre uma de nós fica na função de motorista.” Novidades semelhantes podem ser notadas em vários estabelecimentos da cidade. Em Moema, o bar Dona Flor planeja vender em breve um chope sem álcool. Os organizadores da festa Trash 80’s, no centro, contrataram seguranças para acompanhar os clientes que chegam ou vão embora de metrô até a Estação Anhangabaú, a dois quarteirões da balada. Na Vila Olímpia, quatro bares localizados nas ruas Atílio Innocenti e Ministro Jesuíno Cardoso acertaram com os taxistas locais um desconto de 10% para seus fregueses. Além disso, quem chega dirigindo e não resiste ao apelo do álcool tem a opção de guardar o veículo no estacionamento e retirá-lo no dia seguinte, pagando os mesmos 13 reais do valet. “Já deixei meu carro duas vezes por aqui e voltei de táxi”, diz a designer Renata Bueno, freqüentadora do pub irlandês Dublin. É uma mudança e tanto de hábito.